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Análise do Comportamento Clínica terapia de casais

Como nós, terapeutas, podemos ajudar os casais (ou nos ajudar) na pandemia?

por Carolina Perroni

A pandemia nos trouxe repentinamente muitas mudanças nas nossas vidas pessoais e nos atendimentos aos nossos clientes. Pessoas perderam emprego, entes queridos, qualidade de vida etc. Relacionamentos que antes podiam funcionar razoavelmente bem porque os dois indivíduos estavam envolvidos no mundo de maneiras diferentes, ou que em sua rotina mal se viam, de repente se depararam com uma realidade na qual passaram a compartilhar o mesmo espaço físico o tempo todo (às vezes em casas com apenas um cômodo). Não sei vocês, mas eu tive um aumento significativo na procura por atendimento de casais e imagino que os senhores do outro lado também. E era comum ouvir ao telefone: “Sabe Dra., a pandemia, né, a gente tá brigando muito.”

Sabe-se, por meio de muitas pesquisas empíricas, que ter um relacionamento amoroso bem-sucedido confere 15 anos a mais de vida para os membros do casal. Além disso, favorece a saúde, a resiliência e os filhos prosperam. Portanto, não só torna as pessoas mais saudáveis e mais ricas, como também é o segredo da longevidade.

Este texto então é para ajudá-los a melhorar a vida desses casais, sendo você terapeuta de casais ou não, entendendo que casais aqui é qualquer par que esteja se relacionando.

Quero apresentá-los a uma dupla de psicólogos pesquisadores que eu tive prazer de conhecer em um treinamento que fiz nos EUA e que me fizeram ficar apaixonada pela terapia de casal: John e Julie Gottman.

Tudo começou nos anos 70, quando os amigos Robert Levenson e John Gottman começaram a pesquisar como as pessoas se relacionavam. Diz a lenda que era para eles mesmos conseguirem ter bons relacionamentos também. Naquela época, havia muito livros sobre relacionamentos, mas quase nenhuma pesquisa relevante ou séria sobre o assunto. Em 1986, John Gottman e colegas montaram um Love Lab na Universidade de Indiana. Imaginem um Big Brother com casais recrutados para “viver” 24h sendo sistematicamente observados por pesquisadores. A instrução era: passem seus dias como se estivessem em suas casas. Seria exatamente como se estivessem em casa, exceto pelas medidas aferidas ao longo do dia e por terem que conversar sobre um assunto que adoravam e outro que fosse problemático. Para analisar a resposta imunológica ao nível de estresse foram utilizadas amostras de sangue e de urina, temperatura corporal, holters, câmeras etc.

O curioso é que Robert e John não haviam feito nada além de publicar os dados da pesquisa quando Julie, já casada com John, propôs usar a pesquisa para ajudar as pessoas a transformar seus relacionamentos uma vez que eles sabiam o que funciona ou não numa relação saudável.

De lá para cá, foram milhares de casais pesquisados em diferentes fases da vida, de recém-casados a aposentados, tendo o cuidado de incluir casais em situação de pobreza e do mesmo sexo. Foram 40 anos de pesquisas inovadoras sobre estabilidade conjugal e previsão de divórcio. Os dados acumulados foram conectados a ensinamentos práticos sobre resolução de conflitos, criação de conexões e sua percepção da existência dos casais Master e Disasters. Chamaram de Masters aqueles casais que permaneciam juntos e se consideravam felizes e que, quando brigavam, tinham cinco interações positivas para cada interação negativa, e de Disasters aqueles que se separavam ou viviam infelizes por longos anos sem conexão emocional.

E existem tipos de comunicação que acabam com qualquer felicidade. São: a crítica, a atitude defensiva, o desprezo e o desdém ou recusa em se comunicar, que foram apelidadas pelo autor carinhosamente como Cavaleiros do Apocalipse. Para quem não está familiarizado com os ensinamentos bíblicos, esses cavaleiros são aqueles que trazem peste, guerra, fome e morte.

Vamos começar com a crítica. Crítica é descrever uma falha na personalidade do cônjuge. Em vez de falar “Sinto-me chateado(a) com o fato de que a louça ficou suja ontem. Preciso da sua ajuda hoje para lavá-la”, a pessoa já inicia com “Você é tão preguiçoso(a). Toda vez que eu chego em casa a louça está suja”. Você, terapeuta, pode perceber isso rapidamente ao detectar “você sempre” ou “você nunca” na fala do cliente. A crítica descreve a falha de caráter do(a) parceiro(a) e não a situação.

Para se afastarem de um ataque percebido, as pessoas tendem a reagir, se proteger, defender sua inocência. Às vezes reagem contra-atacando ou devolvendo a culpa fazendo-se de vítima. Vamos voltar no exemplo da louça suja “Toda vez é isso, eu nunca sou bom(boa) o suficiente para você. Eu trabalho duro para pôr dinheiro nessa casa. Eu estou cansado(a), cansado(a), cansado(a)…”. Tudo ficaria mais fácil se o casal usasse este antídoto: aceitar a responsabilidade por pelo menos parte do problema. Exemplo: “Você tem razão. Ontem cheguei tão cansado(a) que não tive forças para lavar a louça, mas hoje faremos uma força-tarefa e tudo ficará limpo”.

Como desgraça pouca é bobagem, lá vem o desprezo. Desprezar alguém é colocar a pessoa para baixo, tomar um plano mais alto assumindo um nível moral mais elevado. Desprezo é qualquer declaração crítica que alguém faz quando se sente superior ao cônjuge. Exemplo: “sou melhor, mais inteligente, mais afetuoso(a), mais organizado(a), mais seguro(a), etc. que você”; ou ainda xingar, dar apelido, caçoar, imitar, rolar os olhos, cruzar os braços, bufar etc.  Exemplo: “Tudo o que você me pede eu faço, só que eu não posso contar com você”. Melhor aqui é usar o antídoto: descrever os sentimentos e necessidades e criar uma cultura de apreciação. Exemplo: “Eu realmente fiquei chateada ontem, me senti desrespeitado(a) com a louça suja. Sei que você teve muito trabalho ontem. Podemos lavar tudo hoje?” Atenção: desprezo é o maior preditor de divórcio. Para mais exemplos de desprezo, acesse o vídeo do Terça Insana “Senhor Merda e Esposa”. Dê muita risada e veja o que não fazer numa relação.

Desdém ou recusa em se comunicar é quando o ouvinte se retira da interação, ficando, porém, no mesmo lugar. Basicamente a pessoa não dá dicas se está ouvindo, por exemplo, olhando para o lado, não mantendo contato ocular ou cruzando os braços. Antídoto: a pessoa procura se acalmar (usando exercícios) e ficar conectado com a interação. Diz que precisa de uma pausa e volta no tempo combinado. Quem estiver esperando não deve ir atrás, mandar mensagem, ou ligar e sim esperar o tempo estipulado. Se o parceiro(a) não voltar, deve dizer: “Nosso tempo estipulado já passou. Você precisa de mais quantos minutos?”.

O casal de pesquisadores afirma que interações cotidianas positivas são tanto a causa quanto os efeitos de relacionamentos felizes. São as pequenas coisas positivas feitas com frequência que fazem a diferença. Ao longo do tempo pequenas mudanças podem concretizar grandes transformações.

Momentos conflitantes são boas oportunidades para conhecer o outro, aproveite o período de reclusão social para ajudar seus clientes a promover conexão emocional. Praticando as dicas acima eles podem “sair da pandemia” mais próximos, discutirão menos e por consequência se sentirão mais satisfeitos com o relacionamento.

Referências:

10 Principles for Doing Effective Couples (2015). Julie Schwartz Gottman e John M. Gottman. Editora W.W. Norton § Company.

Eight Dates: Essential Conversations for a Lifetime of Love (2019).  Julie Schwartz Gottman e John M. Gottman. Editora Workman Publishing Company.

Carolina Perroni

Psicóloga Analista do Comportamento, Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Supervisora dos residentes em Psiquiatria do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atende casais e adultos.