Como analistas do comportamento, sabemos da importância de uma boa análise funcional e com isso precisamos levar em consideração o tipo de comportamento que estaremos analisando e a sua função, afinal, um mesmo comportamento pode ter diferentes funções.
Podemos definir topografia como sendo a descrição de um comportamento com base na sua forma ou estrutura. (MOREIRA e MEDEIROS, 2007)
Quando lidamos com casos de relacionamentos abusivos a atenção para as funções dos comportamentos dos cônjuges deve ser redobrada, pois isso pode ser a manutenção do comportamento da vítima para a permanência neste relacionamento.
Vejamos a seguir:
SITUAÇÃO
TOPOGRAFIA DO COMPORTAMENTO
FUNÇÃO NO RELACIONAMENTO ABUSIVO
Maria toma decisões contrarias de José.
‘’Só quero cuidar de você’’
Controle, Manipulação
Maria diz que quer aprender a trocar pneu.
‘’Deixa que eu faço isso para você’’ ‘’Para que você quer aprender se você tem eu?’’
Diminuição de autoconfiança da namorada
Após uma discussão
Dar um presente
Manipulação
José perde a hora para o trabalho
‘’A culpa é sua! Se você não ficasse me obrigando a conversar com você até mais tarde isso não aconteceria’’
Desresponsabilização
Início de relacionamento/após uma briga
‘’Você é minha!’’
Posse, necessidade de autoafirmação
Maria diz que irá se encontrar com uma amiga
‘’Não confio nela’’
Manipulação, Isolamento Social
Maria emite um comportamento contrário ao que o José espera.
Tratamento de gelo, silêncio
Punição, controle, manipulação
Quando José percebe que está perdendo a atenção da namorada.
José chora
Evocar pena, manipulação
Os mesmos comportamentos podem ser vistos em um relacionamento, mas não necessariamente terá a mesma função, para isso, é importante que avaliemos o antecedente no qual a resposta foi emitida:
SITUAÇÃO
TOPOGRAFIA DO COMPORTAMENTO
FUNÇÃO
Maria está doente.
‘’Só quero cuidar de você’’
Cuidado, carinho
Maria está com dificuldade para realizar uma atividade
‘’Deixa que eu faço isso para você’’
Companheirismo
Em uma data especial
Dar um presente
Demonstração de afeto
Maria conta uma situação desconfortável com uma colega
‘’Não confio nela’’
Alertar
Em uma situação desagradável
José chora
Necessidade de cuidado, demonstração de sentimentos
O que acontece nos casos de relacionamentos abusivos é que há uma generalização das funções e as pessoas interpretam todas as topografias como tendo a mesma função e uma das funções do psicoterapeuta será de discriminar isso com o seu cliente.
Moreira, M. B., & Medeiros, C. A. (2007). Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed.
Jacinto Junior — Pós-graduando em Sexualidade Humana pela CBI of Miami
Já parou para pensar que uma orientação sexual, ou identidade sexual, é uma nomeação, uma categoria, um grupo, e não uma explicação para comportamentos sexuais? Então, é justamente sobre isso que gostaria de conversar com vocês.
Tudo bem, eu sinto que o tema pode ser polêmico, e por essa razão, quero começar de uma maneira clara e sucinta, para que não haja equívocos posteriores: ao falar que não é uma explicação, não quero nem de longe dizer que não exista ou que não vá entrar como parte de uma análise, contudo, ela em si, por si, não informa muita coisa sobre o episódio sexual.
Ao falarmos de orientação sexual, estamos nos referindo à tendência de um indivíduo na interação afetiva ou sexual com parceiros. Sim, não se espante com a palavra tendência, pois uma grande porcentagem de indivíduos engajam-se ou já se engajaram afetivamente, sexualmente ou através de fantasias com diversos gêneros (Rönspies et al, 2015). Esse dado não é novo, na verdade, estudos produzidos por Kinsey, em 1947, demonstraram que mesmo indivíduos que se identificaram como heterossexuais e homossexuais apresentaram interações sexuais ou afetivas ou fantasiado sobre ter relações com parceiros de um gênero diferente do “condizente” com sua orientação sexual.
A partir de entrevistas realizadas com os participantes de sua pesquisa, Kinsey estruturou uma escala de 0 a 6, em que: 0 – exclusivamente heterossexuais; 1 – heterossexuais com raras relações homossexuais; 2 – heterossexuais com frequentes relações homossexuais; 3 – bissexuais, relações igualmente heterossexuais e homossexuais; 4 – homossexuais com frequentes relações heterossexuais; 5 – homossexuais com raras relações heterossexuais; e 6 – exclusivamente homossexuais.
Há muitas críticas levantadas acerca dessa escala, atualmente, principalmente no que diz respeito ao binarismo das relações, todavia tais dados apontam que: a) apenas alguns indivíduos são exclusivamente heterossexuais ou homossexuais; e b) a sexualidade não é um constructo fechado, impassível de mudança, pois se observa que, em diversas fases da vida, indivíduos podem se engajar em relações com parceiros de gênero diferente do esperado em face de sua orientação autodeclarada, provocando uma mudança nessa classificação.
Um outro exercício rápido que costumo fazer com quem converso é o seguinte: pense em sua orientação sexual, agora me responda: ao escolher um parceiro você está pensando apenas no gênero? Quero dizer, se você é uma mulher heterossexual ou homem homossexual, você se interessa por todos os homens? Se sua resposta for negativa, o que geralmente é, logo observamos uma limitação (e tudo bem se a sua resposta for positiva). Claro, o gênero faz parte, mas existem outras variáveis, outras questões que vão fazer com que escolhamos ou rejeitemos os parceiros com os quais interagimos em nossa vida.
É com essa perspectiva, com este ponto de partida, que gostaria de começar a discorrer sobre os motivos pelos quais a orientação sexual, por si, não é uma explicação de comportamentos sexuais completa, e sim uma descrição, uma nomeação de parte de nossas experiências afetivas e sexuais.
E por que isso é importante? Bem, existem alguns equívocos que tendemos a cair ao olharmos para o comportamento, e buscar um conceito para explicar ele mesmo é redundante e tem pouco valor. Por exemplo, imaginem esta conversa:
— Oi, qual sua orientação sexual?
— Eu sou heterossexual.
— Como você sabe que você é heterossexual?
— Porque eu me atraio por pessoas de um gênero diferente do meu.
— Certo, e por que você se atrai por pessoas de um gênero diferente do seu?
— Ah, porque eu sou heterossexual.
Assim, essas duas pessoas poderiam continuar seguindo a conversa, talvez trocando as palavras para se entender, mas sem chegar nas variáveis importantes, e isso é o que costumamos chamar de circularidade explicativa. Ao olharmos para um comportamento, é necessário que compreendamos muitas questões que vão além de somente o que um indivíduo faz. É preciso analisar a sua história de vida, verificar em qual contexto determinado comportamento está sendo emitido e quais são as mudanças que ele causa no seu ambiente, bem como a influência de suas mudanças causada em si próprio. A cultura vai ter forte impacto nessas questões, principalmente porque é ela que vai nos ensinar, primeiramente, o que seria um comportamento sexual ou o que seria atraente, por exemplo.
Um dado claro disso são certos “estímulos sexuais” que são reforçados nas diferentes culturas: o que é atraente no Brasil (aqui, tende-se a valorizar a bunda), pode não significar nada para a tribo Karen ao norte da Tailândia, em que o estímulo atraente é o ornamento de anéis colocados no pescoço de mulheres, dando-lhes um aspecto alongado como o de girafas. Na China, um pé pequeno, em forma de lótus, era atraente, o que levou várias mulheres a se submeterem a procedimentos que deformavam seus pés de tal maneira que se assemelhassem à flor.
O contexto em que dada ação é realizada se mostra igualmente importante, o que podemos demonstrar desta maneira: é comum observarmos que, em estado de privação, como em casos de encarceramento, há um aumento dos comportamentos sexuais com o mesmo gêneros, já que o ambiente por si não é propício para relações heterossexuais, e outras variáveis podem ser mais importantes para um engajamento afetivo-sexual do que o gênero naquele momento (Menezes, 2005).
Quando nos comportamos, nós tendemos causar uma modificação em nosso ambiente e isso causa uma influência para que nós repitamos ou não determinada coisa. De maneira genérica (e menos técnica) de falar, isso significa que as coisas que acontecem depois de fazermos algo – como nos sentimos, como somos recebidos pelos outros, nossas sensações corporais, nossos valores – acabam fazendo com que nós aprendamos, mesmo que de modo inconsciente, o que fazer, onde fazer e com quem fazer. Exemplo: uma pessoa que utiliza um aplicativo de relacionamento e tem boas experiências provavelmente tornará a utilizá-lo; já uma pessoa que saiu com alguém que apenas nas fotos usadas no app não se parecia com o Mr. Bean (caso hipotético…) e não se divertiu nem um pouco, dificilmente tornará a usá-lo, ou utilize com menor frequência do que o primeiro caso. Guardadas as devidas proporções e complexidades, podemos generalizar para a vida.
Neste momento, eu quero propor mais um tipo de reflexão: pense em suas interações sexuais e afetivas, procure por experiências boas, agradáveis e experiências ruins ou desagradáveis, veja como elas te afetaram. Procure se lembrar de ensinamentos de grupos (como familiares, amigos próximos, colegas de trabalho ou estudo) sobre como fazer determinada coisa, a forma correta; isso influenciou na sua vida, nos caminhos que decidia tomar? E, se sim, como se sentiu depois? Claro que quando estamos falando sobre comportamentos sexuais o fenômeno é muito maior e mais complexo do que respostas emocionais a dado evento.
Ainda há um debate acirrado acerca do inatismo da sexualidade, isto é, se nascemos com determinada orientação sexual, através do material genético ou por exposição hormonal na gestação. Independentemente de uma ou outra raiz, é inegável que muitos de nossos padrões sexuais são aprendidos, desenvolvidos, refinados ao longo de nossa vida, o que quer dizer que, mesmo que nasçamos com determinada orientação sexual, nossas experiências e a forma com qual nós interagimos com o mundo a nossa volta vai nos ensinando os caminhos de exercê-la. Há algumas centenas de anos atrás, uma mulher com o tornozelo ou o pulso à mostra poderia levar homens à loucura. Hoje, eu não costumo ver apenas pulsos expostos em aplicativos de relacionamentos e vocês?
Aproveitando para observarmos outras práticas culturais em épocas diferentes, podemos citar a prática de pederastia na Grécia. Não só era comum, como também fazia parte do mecanismo de ascensão social na elite grega, que pupilos e filósofos se relacionassem sexualmente, mesmo que no futuro isso não significasse um padrão homoafetivo em suas relações (Menezes, 2005). Em Tebas, o exército conhecido como o “Batalhão Sagrado de Tebas” era constituído por cento e cinquenta casais de soldados, com o objetivo de melhorar seu desempenho na guerra, que levou a hegemonia de Tebas na Grécia no século IV A.C. Um fato curioso é que este foi o único exército que conseguiu vencer os famosos espartanos mesmo estando em menor número. Duas vezes (Pastore, 2011). Os comportamentos sexuais e afetivos nestes exemplos não estavam associados somente ao gênero, mas a variáveis ligadas à profissão e posição social.
Com as produções da Relational Frame Theory (RFT) dentro do campo da sexualidade humana, podemos compreender como estímulos sexuais se relacionam simbolicamente com estímulos antes não treinados, eliciando respostas de excitação sexual (Barnes e Roche,1997). Esse dado demonstra que as aprendizagens sexuais sofrem influência cultural, mesmo que discreta ou indiretamente, embora ainda sejam necessárias mais pesquisas para atestar com exatidão este efeito.
Tomando essa perspectiva, quer dizer que indivíduos não se relacionam com A ou B porque são de orientação sexual A ou B. Eles se comportam, interagem romântica ou afetivamente e, assim, vão se entendendo ou se classificando com dada orientação sexual fornecida por uma cultura. Isso permite uma postura mais aberta, pois não se parte de uma experiência já com um apriori, ou um caminho certo à frente, uma vez que começamos a reparar que podem existir outras coisas mais significativas em relações afetivo-sexuais do que somente o gênero e que mesmo as classificações são flexíveis.
A RFT também pode fornecer subsídios teóricos e experimentais para nos ajudar a compreender como essas construções e nomenclaturas vão sendo desenvolvidas. Quais elementos fazem parte do campo da heterossexualidade? O que seria mais hétero ou menos hétero? Hétero e gay são difentes. Quais elementos fazem parte do campo da homossexualidade? E assim sucessivamente. Todos esses estímulos podem estar em molduras relacionais de igualdade, comparação, oposição, e consequentemente, poderão ou não eliciar respondentes sexuais. De Rose (2016), aliás, dedica-se a mostrar como condicionamento respondente se relaciona com comportamento simbólico e sua importância para a manutenção de certas práticas culturais.
Na clínica, um cliente que poderia encontrar-se nessa situação, em que seus desejos ou mesmo seus engajamentos afetivo-sexuais não se encaixam com o senso-comum sobre sua orientação sexual e isso pode levar ao sofrimento. A sensibilidade às variáveis que compõem os padrões sexuais tanto poderia levar a uma melhor compreensão do que está acontecendo, como também a um acolhimento mais aberto e presente, afastado de regras ou normas.
Claro que a intenção deste artigo nunca foi a de esgotar todas as questões referentes à sexualidade, há muito o que se discutir e precisamos ter cuidado, sensibilidade e atenção aos direitos básicos de cada pessoa, já que nossos antecessores utilizaram erroneamente nosso conhecimento para produzir barbaridades na busca de patologizar e “curar” diversos padrões sexuais e de gênero, como aconteceu com a homossexualidade e a transgeneridade.
Este é apenas um dos primeiros passos. E como diria um ditado zen: não se atravessa uma montanha com dois passos.
Referências:
Barnes, D., & Roche, B. (1997). Relational frame theory and the experimental analysis of human sexuality. Applied and Preventive Psychology, 6(3), 117-135.
de Rose, J. C. (2016). A Importância dos Respondentes e das Relações Simbólicas para uma Análise Comportamental da Cultura1. Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, 24(2), 201-220.
Menezes, A. B. D. C. (2005). Análise da investigação dos determinantes do comportamento homossexual humano. Dissertação de Mestrado.
Pastore, F. (2011). O Batalhão Sagrado de Tebas: militarismo e homoafetividade na Grécia Antiga. Revista Trilhas da História, 1(1), 39-51.
Rönspies, J., Schmidt, A. F., Melnikova, A., Krumova, R., Zolfagari, A., & Banse, R. (2015). Indirect measurement of sexual orientation: Comparison of the implicit relational assessment procedure, viewing time, and choice reaction time tasks. Archives of Sexual Behavior, 44(5), 1483-1492.
Com que roupa eu vou? Fazer exercício físico ou relaxar no sofá? Engravidar ou não? Vemos diariamente pessoas por aí em situações em que escolhas podem ou são necessárias de serem feitas. Das situações mais simples até as mais complexas, como: me separar ou continuar no casamento? Mentir ou ser verdadeira em um relacionamento? Há de se considerar que desde quando levantamos da cama estamos fazendo escolhas. Em todos os exemplos citados acima, o que existe em comum é o fato de ter vários motivos que nos levam a escolher.
Podemos observar que as chances de tirar uma nota alta em uma prova podem ser maiores se o estudante entrar em contato com o material das aulas, ler sobre a matéria, escrever, tirar dúvidas e responder questões sobre o conteúdo também aumentam as chances de obter o diploma da graduação ao fim do curso. Porém existem outras possibilidades, como: não estudar, faltar as aulas, não fazer exercícios, deixar os trabalhos de lado e ir “levando tudo isso com a barriga”, e consequentemente as chances de garantir o certificado são reduzidas. As situações exemplificadas nos mostram que, de tudo o que fazemos em nossas vidas, há possibilidades de fazermos de outras maneiras, temos opções de escolha de acordo com nossos critérios, o contexto que vivemos, nossa história e nossa realidade, e então escolhemos (esses são alguns dos motivos que explicam o comportamento de escolha).
Todos nós nos comportamos para atingir objetivos ou porque o que fazemos agora já deu certo antes ou resolveu alguns problemas, mas como estudar isso cientificamente? Podemos começar pensando nas roupas que você usaria para visitar um amigo, e perceber que entre várias opções e estilos diferentes você vai procurar roupas que combine com você, como uma calça jeans, chinelo e camiseta (ou um estilo que se diferencie deste). Isso ocorre porque naquilo que fazemos temos nossas próprias formas de agir; além de existir vários estilos, você escolhe se vestir com roupas que usa constantemente em detrimento de todas as roupas disponíveis no mercado.
Compreender as causas e os efeitos das escolhas parece interessante para que possamos mudar escolhas feitas no presente que impactam o futuro. Pesquisas experimentais sobre comportamentos de escolha nos permitem compreender mais sobre o comportamento humano, além de possibilitar avanços para outras áreas, como as pesquisas aplicadas a comportamentos de impulsividade, autocontrole e comportamentos sob controle de consequências atrasadas.
Como o tema pode ser pesquisado empiricamente?
Para a maioria das pessoas o sonho de se casar, emagrecer, ter um carro, ou decidir fazer uma poupança e ter dinheiro suficiente para fazer uma viagem pode levar tempo, escolhas diárias e dedicação. São nas situações citadas acima que observamos comportamentos de escolha. Escolher por uma consequência atrasada e mais valiosa em detrimento de uma consequência imediata e menos valiosa envolve o conceito de auto-controle. O auto-controle pode ser definido como um comportamento de escolha por uma recompensa que é maios valiosa e ocorrerá futuramente em comparação com uma recompensa menos valiosa e imediata. Então considerar o tempo, e o tamanho da recompensa é bem importante para estudar esse tema de forma científica.
Quais as possibilidades para pesquisar cientificamente comportamentos de escolha?
Comportamentos são afetados por diversas situações que são vividas, inclusive pela história de vida, e é isso que permite estudar aspectos desse fenômeno. Muitos estudos avaliaram o comportamento de escolha por meio da programação de opções entre recompensas mais e menos valiosas como possibilidades de escolhas.
Figura 1: Diagrama com duas opções (opção A com mais recompensa e maior atraso, e opção B com menos recompensa e menor atraso), que pode ser utilizado em estudos que investigaram comportamentos de escolha.
Após as etapas iniciais, como as apresentadas na figura 1, em um experimento a opção A pode ter como recompensa 2,00 reais após 6 segundos, sempre depois que o participante da pesquisa fizer a sua escolha (que pode ser definida como apertar o botão vermelho), e a opção B, que pode ter como recompensa 0,50 centavos com 1 segundo de atraso depois que a escolha foi feita (apertar o botão azul). Esse é um clássico paradigma usado há anos em estudos que se propuseram a investigar os efeitos da escolha (tem referência empírica ao final do texto para quem quiser dar uma olhada).
Concluindo, estudos de comportamentos que envolvem escolha também podem ser utilizados e aplicados em diversos contextos, como por exemplo o ambiente escolar, podendo aumentar as chances de uma criança respeitar, obedecer e também seguir regras quando existe a possibilidade de receber recompensas posteriores que podem ser maiores do que as recompensas imediatas.
Lá vai a referência: HANNA, Elenice S.; RIBEIRO, Michela Rodrigues (organizadoras). Autocontrole: um caso especial de comportamento de escolha. Revista Análise do comportamento: pesquisa, teoria e aplicação, pg. 175-187, Artmed, 2005.
O que achou do texto? Qualquer dúvida, sugestão ou opinião, deixe seu comentário aqui embaixo!
Era uma noite escura, uma garota corria desesperada, lutando para manter o equilíbrio por entre uma estrada tortuosa. Atrás de si, uma besta horrenda rosnava em ao seu enlace. Por entre as árvores de caules negros, um cavalo se meteu em seu caminho, e a velha bruxa a tomou pelos pulsos, ajudando-a a fugir. No sacolejar da montaria, a velha explicava tudo para a garota sobre o que estava acontecendo e mais tarde, ao encontrarem seu tio e narrar toda a história, ele começa a escrever sobre os horrores trazidos por um artefato a uma afastada vila.
Durante todo o sonho, eu não fiz parte dele, quero dizer, toda a cena se desenrolava como se eu assistisse a um filme. Os personagens, já com nomes e funções dentro da narrativa eram mostrados, e o sonho terminava com o livro já sendo escrito. Eu me lembro da frase final, era algo como:
“E esta é uma história que narra muito bem o porque não se deve aceitar presentes de um estranho.”
Claro que utilizei este sonho para se tornar um romance que está em processo de criação. Essa não foi a primeira vez que fiz isso, nem mesmo a única. Nem mesmo eu sou o único a utilizar sonhos como fonte de inspiração. Harry Potter, romance que marcou uma geração inteira e tornou J. K. Rowling a primeira escritora de livro infantil milionária, teve sua ideia vinda de um sonho.
Quis começar destacando o sonho, porque, assim como a inspiração, este é um assunto que costuma estar envolvido certo misticismo e cujo interesse remonta a milênios atrás. Além de ser um resultado complexo de interações — bem, pela narração de meu sonho acima, acredito que seja sensato falar em muitas interações complexas envolvendo, principalmente, a história de vida individual e cultural. Essa associação, na verdade, é feita por Skinner (1957), mas já chegaremos lá.
Na Grécia antiga, a importância dada à inspiração foi tamanha que ela teve direito a um grupo de divindades: as Musas. Seres que inspiravam nos artistas as palavras certas em suas obras, abençoando-os em sua produção. Aliás, esta concepção era tão forte, que os gêneros possuíam uma marcação estrutural de invocar as Musas, ou outras divindades, para ajudá-los em sua empreitada artística, a qual se repete nas obras gregas Teogonia, Odisséia e Ilíada; romana, Eneida; portuguesa, Os Lusíadas e sobrevive até hoje, como em O amor de Apolo e Jacinto, em que o autor cearense mescla elementos da poesia épica com o cordel.
Eu poderia continuar a contar muitos outros rumores que circundam as diversas fontes de inspiração de escritores, porém quero, na verdade, falar sobre uma postura que parece perdurar desde os tempos de ouro da Grécia, se não antes: o de esperar a inspiração para começar a escrever.
Durante as eras, aprendemos a lidar com aquilo que entendemos por inspiração como sendo uma força motriz, por vezes única, de fazer o rio fluir. Uma pergunta rápida: quantas vezes você esperou pela inspiração para poder começar a escrever? E não me refiro unicamente a escritores literários, também já vi escritores acadêmicos reproduzindo o mesmo discurso quando questionados sobre o porquê de não escrever: “estou esperando a inspiração”, ou pelo menos: “estou esperando o momento perfeito”. Bem, sinto muito quebrar um pouco do romantismo, mas explicar a sua escrita através da inspiração, é a mesma coisa que falar que não escreve por um bloqueio. Voltamos àquele estado circular.
— Por que você está escrevendo mais?
— Porque eu estou inspirado!
— E como é que você sabe que está inspirado?
— Porque eu estou escrevendo mais!
Vamos lá, antes que desistam de mim por blasfemar contra a inspiração, afirmar que ela não produz a escrita, não é a mesma coisa que dizer que ela não existe. Inspiração existe, sim, mas assim como o bloqueio de escrita, nós estamos falando de um estado — ativado por alguma razão ou razões — em que se observa uma maior facilidade para escrever, uma baixa no autojulgamento, uma maior fluidez e foco, e não de uma coisa que nos faz escrever.
Trazendo para a metáfora do rio, este é o momento em que afluentes estão favorecendo o seu rio da escrita, ou mesmo que não existem barreiras para represar suas palavras sedentas para sair. O que existe apenas é o horizonte inimaginável da escrita.
Eu sei, é bom se sentir assim. De certo modo, até viciante, não? O problema acontece quando nos relacionamos com a “Inspiração” como se ela fosse a única responsável por nos levar à escrita, pois, como em toda regra, o que se observa é uma maior insensibilidade ao seu contexto atual, podendo levar a padrões adoecidos (Hayes, Strosahl & Wilson, 2021). Ou seja, para começar e continuar sua escrita, alguém precisaria estar nesse ponto tido como ideal ou certo, caso contrário, ela poderia não ser boa, iria ser automatizada, sem emoção etc. Esse tipo de postura não difere tanto dos antigos à espera das divindades, das Musas: o protagonismo da escrita passa a não mais pertencer ao escritor, mas a esse outro, essa instância metafísica que nos anima, a inspiração.
Isso soa um pouco perigoso, porque nos faz adotar uma espécie de postura passiva diante da escrita. Inspiração é importante, sim, mas ela é apenas uma parte do processo, um aspecto motivacional o qual você deve usar a seu favor, e não ficar refém dele.
Mas como a inspiração funciona? Seria possível fazermos algo para nos deixar mais abertos a esse estado?
Em minha experiência, seja como escritor ou psicólogo, ouvi diversos contextos que deram ideias sobre o que escrever a pessoas. Sonhos, matérias de jornais, conversas com amigos, uma paixão… Colocando-me um pouco aqui no texto, muitas de minhas ideias mesmo aparecem em sonhos, e desde que era mais jovem, é muito comum que o processo de criação de ideias ocorra enquanto eu ando! Aliás, uma das formas utilizadas por escritores para sair de um estado de bloqueio que mais foi citada na pesquisa de Ahmed (2019) foi andar.
Boice (1990), por sua vez, pode nos oferecer uma importante contribuição para esse estado que compreendemos como inspiração. O pesquisador, tendo como foco produções acadêmicas, reuniu um grupo de professores e arranjou uma série de contingências, atribuídas aos participantes aleatoriamente, dividindo-os em três grupos: o primeiro, em condição de abstinência, foi proibido de qualquer escrita não emergencial, imediata; para o segundo, em condição espontânea, agendaram-se 50 dias de escrita, mas os participantes só deveriam escrever quando se sentissem inspirados; e o terceiro, por sua vez, foi obrigado a escrever durante todos os 50 dias da pesquisa. Os resultados mostraram que o terceiro grupo não só escreveu consideravelmente mais em relação aos anteriores, como seus participantes também relataram ter ideias as quais consideravam mais criativas.
Anote esta dica: manter uma escrita constante, nem que seja por breves períodos, pode ser essencial para um estabelecimento de um hábito saudável. Mais à frente iremos conversar sobre isso. Por mais paradoxal que possa parecer, manter uma escrita constante pode ser uma variável importante para o surgimento de ideias criativas, como ocorre em estados de inspiração, e não o contrário como se pensa ou se costuma falar.
Skinner (1957), em um capítulo dedicado ao processo de autocorreção — processo que gostaria de retomar em textos futuros –, pontuou que estados de inspiração parecem estar associados com baixas nesse processo de edição. Assim como nos sonhos, não existem barreiras ou contingências punitivas de seu conteúdo, apenas um livre fluxo de informações, que guarda similaridade com a escrita automática (escrever livremente sem se autocorrigir, sem ponderar muito sobre as palavras a serem colocadas, deixando-as fluir). No caso, ele cita o exemplo do autor Stevenson, do célebre romance O Médico e o Monstro, cuja ideia para a obra também se originou em um sonho.
Como disse antes, o sonhar é apenas uma das diversas fontes de inspiração, isto é, desse estado motivacional que nos ajudaria a contribuir para a nossa escrita. Em minhas sessões, eu costumo pedir para que meus clientes estejam atentos a contextos que poderiam dar novas ideias, seja para a escrita literária, seja para a acadêmica. Por exemplo, um artigo que me deu muitas ideias foi o de Rose (2016), e sempre que o releio, parece que me vêm mais ideias para explorar em futuros trabalhos. Esta postura significa, principalmente, se deixar ouvir mais sem autojulgamento ou, principalmente quando for escrever, deixar que o rio flua sem barreiras.
Um benefício de pensar na inspiração como estado motivacional, é saber que ela na verdade é produto desses fatores, um efeito que adoramos e valoramos, em que coisas no mundo o inspiraram a ter aquela ideia, aquela fala, ou a estruturação de um conceito. Se a inspiração é produto de algo que fazemos, nossa postura não mais está passiva, mas sim ativa, protagonista, seja ao vermos uma notícia, encararmos uma memória ou lermos um artigo científico.
De todo modo, estar mais atento ao presente e ciente de seu processo de escrita, de um modo ativo e protagonista, é sobretudo um convite para procurar inspiração nos mais diversos recortes de sua vida! Observe seu mundo privado, seus pensamentos e sentimentos, ou mesmo olhe para o mundo externo, algum acontecimento peculiar, algum trabalho científico que leu, todos esses elementos podem ser a fagulha que estava procurando! Sempre anote suas ideias, sem receio ou julgamento — lembre que estamos falando de um processo aqui –, separe um espaço para se sentir livre para criar e retornar. Eu costumo fazer isso num arquivo de texto ou mesmo pelo celular, o importante é não perdê-las. Ideias são como sementes, antes de darem frutos, é necessário plantar, germinar e alimentar. Então, sim, mantenha suas sementes.
Inspirações não são eternas, ou seja, você, ou seu cliente, experimentará muitos estados de inspiração, mas todos eles terão seu início, meio e fim. Permanecendo com uma postura ativa, cultivando as práticas citadas acima, você poderá estar mais aberto e reconhecer a sua relação com a inspiração, tornando-se cada vez mais protagonista da própria escrita.
Referências Acadêmicas:
Ahmed, S. J. (2019). An Analysis of Writer’s Block: Causes, Characteristics, and Solutions.(Dissertação de Mestrado). University of North Florida, Jacksonville, FL. Disponível em: https://digitalcommons.unf.edu/etd/903.
Boice, R; (1990). Professors as writers: A self-help guide to productive writing. Stillwater: New Forums Press.
de Rose, J. C. (2016). A Importância dos Respondentes e das Relações Simbólicas para uma Análise Comportamental da Cultura1. Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, 24(2), 201-220. Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/2745/274545739006/html/
Hayes, S. C., Strosahl, K. D. & Wilson, K. G. (2021). Terapia de Aceitação e Compromisso-: O Processo e a Prática da Mudança Consciente. Artmed Editora.
Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York: Appleton-Century- Crofts.
Este é o primeiro de uma série de textos que estarei escrevendo para a Equipe DiadeLab, nos quais buscarei fazer reflexões sobre nosso papel enquanto analistas do comportamento para construir sociedades mais saudáveis e sustentáveis. Sei que a proposta é ambiciosa, mas não tenho a intenção de trazer verdades ou soluções definitivas. Meu objetivo é fazer com que os leitores parem, olhem para si mesmos, para como vivem suas vidas, para aquilo que entendem ser um(a) analista do comportamento, e explorem os limites e fronteiras de nossas possibilidades de ação. Espero que tenhamos uma jornada cheia de aventuras, pensamentos perturbadores e ideias para trazer mais sorrisos para este pálido ponto azul.
Mas enfim, então, o que significa viver uma vida a partir da qual deixamos de herança algumas coisas legais e construtivas para quem ainda habitará este planeta? Podemos ir para várias direções com essa discussão, desde argumentos espirituais a discussões sobre ética. No entanto, dada minha trajetória enquanto analista comportamental da cultura, meu percurso reflexivo se dará majoritariamente por esse campo de investigação e áreas tangentes, como sociologia, economia, antropologia, dentre outras. Para quem já me conhece, parece óbvio que parto de uma discussão da qual gosto bastante, e que foi lançada por um biólogo chamado Garret Hardin.
No clássico artigo The Tragedy of the Commons, Hardin (1968) discute um dilema resultante da ênfase prioritária no bem do indivíduo em detrimento do bem coletivo. Imagine que você e mais um grupo de vinte pessoas vivem em uma área rural e criam gado em um pasto coletivo. O pasto é coletivo, mas cada vaca é considerada propriedade privada. O pasto é o que chamamos de commons. Vocês tiram seu sustento do seu gado, que vive e se alimenta no pasto coletivo. Desse modo, o desenvolvimento saudável do seu gado depende do consumo de recursos coletivos (do pasto). No entanto, qualquer renda que você consiga extrair do seu gado é unicamente sua. Esse cenário implica em contingências sociais que operam do seguinte modo: (i) criar gado é uma atividade que vem a produzir consequências reforçadoras, acessadas pelo indivíduo; (ii) criar gado também leva a uma consequência aversiva, a redução de recursos do pasto, o que demanda custos com manutenção e cuidados; (iii) nota-se que, enquanto as consequências reforçadoras são desfrutadas pelo indivíduo, as aversivas são distribuídas pelo grupo. Bem, eu posso facilmente maximizar meus ganhos aumentando a quantidade de gado que crio e outros provavelmente me seguirão nesse caminho.
Mas, bem, não devemos perder de vista que quanto mais gado há no pasto, mais rápido ele se deteriora e, com isso, maiores são os custos para manutenção e cuidados. Aqui chegamos a uma clássica situação de esquemas concorrentes. Por um lado, se respondo de modo a maximizar minha criação de gado, eu produção mais lucro para mim, e sem muita demora, mas “pressionar essa barra” cria um problema que é compartilhado por todos. Eu levo os benefícios só para mim, mas divido as batatas quentes. Por outro lado, posso responder de modo a criar uma quantidade de gado mínimo para minha subsistência, de modo que dê fôlego para o pasto se renovar naturalmente, reduzindo assim a magnitude das consequências reforçadoras possíveis, mas também reduzindo o prejuízo coletivo. E aí, qual a escolha mais provável?
Tomando como base uma vasta literatura experimental, tanto analítico-comportamental como de outros campos, tudo indica que a escolha mais provável é direcionar suas energias para se tornar um “Rei do Gado” e não se preocupar muito com o destino do pasto, afinal, não tem outros que cuidarão dele também? Mas poucos notam um detalhe simples, brutalmente relevante, mas que parece estúpido quando falamos em voz alta. Uma vez que praticamente todos os participantes desse universo de pesquisa mencionado são crias das sociedades ocidentais modernas (ou de culturas influenciadas por valores amplamente desenvolvidos na Europa Ocidental), é natural que essas pessoas se enxerguem prioritariamente como um “eu”, e esse “eu” tem mais valor do que o “nós” para as pessoas criadas nesse modelo cultural. Opa… mas de onde vem isso?
Os valores derivados de sociedades ocidentais modernas – e que se espalharam pelo mundo – não são características “naturais” do ser humano. O homo sapiens é um animal cuja característica mais marcante é sua sociabilidade. Nossa capacidade de organização social talvez tenha sido o elemento mais marcante para o nosso sucesso evolutivo (cabe notar que nosso refinamento em nos organizarmos socialmente é o que deu espaço para o desenvolvimento da mais notória prática cultural humana, a linguagem). Somos seres absurdamente dependentes uns dos outros, mas nos enxergarmos como indivíduos autônomos, independentes, com pensamentos próprios, vontades próprias e donos do nosso próprio destino. No entanto, não devemos perder de vista que essa visão de homem é uma invenção cultural – uma invenção que está cobrando seu preço nos dias atuais.
No texto seguinte desta série irei expor como ocorreu a invenção do conceito de indivíduo moderno, de modo que se possa refletir de que maneira podemos nos ver no mundo de outro modo: como partes integrais de um todo social; como seres interdependentes uns dos outros; não como centros do universo, mas como grãos da poeira estelar que o compõe.