Categorias
Análise do Comportamento Questões sociais Relações humanas

O que você chama de carinho é cuidado ou controle? Comportamentos de mesma topografia podem ter diferentes funções.

Por Bruna Catarina Pavani

Como analistas do comportamento, sabemos da importância de uma boa análise funcional e com isso precisamos levar em consideração o tipo de comportamento que estaremos analisando e a sua função, afinal, um mesmo comportamento pode ter diferentes funções.

Podemos definir topografia como sendo a descrição de um comportamento com base na sua forma ou estrutura. (MOREIRA e MEDEIROS, 2007)

Quando lidamos com casos de relacionamentos abusivos a atenção para as funções dos comportamentos dos cônjuges deve ser redobrada, pois isso pode ser a manutenção do comportamento da vítima para a permanência neste relacionamento.

Vejamos a seguir:

SITUAÇÃOTOPOGRAFIA DO COMPORTAMENTOFUNÇÃO NO RELACIONAMENTO ABUSIVO
Maria toma decisões contrarias de José.‘’Só quero cuidar de você’’Controle, Manipulação
Maria diz que quer aprender a trocar pneu.‘’Deixa que eu faço isso para você’’ ‘’Para que você quer aprender se você tem eu?’’Diminuição de autoconfiança da namorada
Após uma discussãoDar um presenteManipulação
José perde a hora para o trabalho‘’A culpa é sua! Se você não ficasse me obrigando a conversar com você até mais tarde isso não aconteceria’’Desresponsabilização
Início de relacionamento/após uma briga‘’Você é minha!’’Posse, necessidade de autoafirmação
Maria diz que irá se encontrar com uma amiga‘’Não confio nela’’Manipulação, Isolamento Social
Maria emite um comportamento contrário ao que o José espera.Tratamento de gelo, silêncioPunição, controle, manipulação
Quando José percebe que está perdendo a atenção da namorada.José choraEvocar pena, manipulação

Os mesmos comportamentos podem ser vistos em um relacionamento, mas não necessariamente terá a mesma função, para isso, é importante que avaliemos o antecedente no qual a resposta foi emitida:

SITUAÇÃOTOPOGRAFIA DO COMPORTAMENTOFUNÇÃO
Maria está doente.‘’Só quero cuidar de você’’Cuidado, carinho
Maria está com dificuldade para realizar uma atividade‘’Deixa que eu faço isso para você’’  Companheirismo
Em uma data especialDar um presenteDemonstração de afeto
Maria conta uma situação desconfortável com uma colega‘’Não confio nela’’Alertar
Em uma situação desagradávelJosé choraNecessidade de cuidado, demonstração de sentimentos

O que acontece nos casos de relacionamentos abusivos é que há uma generalização das funções e as pessoas interpretam todas as topografias como tendo a mesma função e uma das funções do psicoterapeuta será de discriminar isso com o seu cliente.

Moreira, M. B., & Medeiros, C.  A. (2007).  Princípios básicos de análise do comportamento.  Porto Alegre:  Artmed.

Categorias
Análise do Comportamento Orientação sexual Questões sociais

Orientação Sexual: explicação ou descrição?

Jacinto Junior — Pós-graduando em Sexualidade Humana pela CBI of Miami

Já parou para pensar que uma orientação sexual, ou identidade sexual, é uma nomeação, uma categoria, um grupo, e não uma explicação para comportamentos sexuais? Então, é justamente sobre isso que gostaria de conversar com vocês.

Tudo bem, eu sinto que o tema pode ser polêmico, e por essa razão, quero começar de uma maneira clara e sucinta, para que não haja equívocos posteriores: ao falar que não é uma explicação, não quero nem de longe dizer que não exista ou que não vá entrar como parte de uma análise, contudo, ela em si, por si, não informa muita coisa sobre o episódio sexual.

Ao falarmos de orientação sexual, estamos nos referindo à tendência de um indivíduo na interação afetiva ou sexual com parceiros. Sim, não se espante com a palavra tendência, pois uma grande porcentagem de indivíduos engajam-se ou já se engajaram afetivamente, sexualmente ou através de fantasias com diversos gêneros (Rönspies et al, 2015). Esse dado não é novo, na verdade, estudos produzidos por Kinsey, em 1947, demonstraram que mesmo indivíduos que se identificaram como heterossexuais e homossexuais apresentaram interações sexuais ou afetivas ou fantasiado sobre ter relações com parceiros de um gênero diferente do “condizente” com sua orientação sexual.

A partir de entrevistas realizadas com os participantes de sua pesquisa, Kinsey estruturou uma escala de 0 a 6, em que: 0 – exclusivamente heterossexuais; 1 – heterossexuais com raras relações homossexuais; 2 – heterossexuais com frequentes relações homossexuais; 3 – bissexuais, relações igualmente heterossexuais e homossexuais; 4 – homossexuais com frequentes relações heterossexuais; 5 – homossexuais com raras relações heterossexuais; e 6 – exclusivamente homossexuais.

Há muitas críticas levantadas acerca dessa escala, atualmente, principalmente no que diz respeito ao binarismo das relações, todavia tais dados apontam que: a) apenas alguns indivíduos são exclusivamente heterossexuais ou homossexuais; e b) a sexualidade não é um constructo fechado, impassível de mudança, pois se observa que, em diversas fases da vida, indivíduos podem se engajar em relações com parceiros de gênero diferente do esperado em face de sua orientação autodeclarada, provocando uma mudança nessa classificação.

Um outro exercício rápido que costumo fazer com quem converso é o seguinte: pense em sua orientação sexual, agora me responda: ao escolher um parceiro você está pensando apenas no gênero? Quero dizer, se você é uma mulher heterossexual ou homem homossexual, você se interessa por todos os homens? Se sua resposta for negativa, o que geralmente é, logo observamos uma limitação (e tudo bem se a sua resposta for positiva). Claro, o gênero faz parte, mas existem outras variáveis, outras questões que vão fazer com que escolhamos ou rejeitemos os parceiros com os quais interagimos em nossa vida.

É com essa perspectiva, com este ponto de partida, que gostaria de começar a discorrer sobre os motivos pelos quais a orientação sexual, por si, não é uma explicação de comportamentos sexuais completa, e sim uma descrição, uma nomeação de parte de nossas experiências afetivas e sexuais.

E por que isso é importante? Bem, existem alguns equívocos que tendemos a cair ao olharmos para o comportamento, e buscar um conceito para explicar ele mesmo é redundante e tem pouco valor. Por exemplo, imaginem esta conversa:

— Oi, qual sua orientação sexual?

— Eu sou heterossexual.

— Como você sabe que você é heterossexual?

— Porque eu me atraio por pessoas de um gênero diferente do meu.

— Certo, e por que você se atrai por pessoas de um gênero diferente do seu?

— Ah, porque eu sou heterossexual.

Assim, essas duas pessoas poderiam continuar seguindo a conversa, talvez trocando as palavras para se entender, mas sem chegar nas variáveis importantes, e isso é o que costumamos chamar de circularidade explicativa. Ao olharmos para um comportamento, é necessário que compreendamos muitas questões que vão além de somente o que um indivíduo faz. É preciso analisar a sua história de vida, verificar em qual contexto determinado comportamento está sendo emitido e quais são as mudanças que ele causa no seu ambiente, bem como a influência de suas mudanças causada em si próprio. A cultura vai ter forte impacto nessas questões, principalmente porque é ela que vai nos ensinar, primeiramente, o que seria um comportamento sexual ou o que seria atraente, por exemplo.

Um dado claro disso são certos “estímulos sexuais” que são reforçados nas diferentes culturas: o que é atraente no Brasil (aqui, tende-se a valorizar a bunda), pode não significar nada para a tribo Karen ao norte da Tailândia, em que o estímulo atraente é o ornamento de anéis colocados no pescoço de mulheres, dando-lhes um aspecto alongado como o de girafas. Na China, um pé pequeno, em forma de lótus, era atraente, o que levou várias mulheres a se submeterem a procedimentos que deformavam seus pés de tal maneira que se assemelhassem à flor.

O contexto em que dada ação é realizada se mostra igualmente importante, o que podemos demonstrar desta maneira: é comum observarmos que, em estado de privação, como em casos de encarceramento, há um aumento dos comportamentos sexuais com o mesmo gêneros, já que o ambiente por si não é propício para relações heterossexuais, e outras variáveis podem ser mais importantes para um engajamento afetivo-sexual do que o gênero naquele momento (Menezes, 2005).

Quando nos comportamos, nós tendemos causar uma modificação em nosso ambiente e isso causa uma influência para que nós repitamos ou não determinada coisa. De maneira genérica (e menos técnica) de falar, isso significa que as coisas que acontecem depois de fazermos algo – como nos sentimos, como somos recebidos pelos outros, nossas sensações corporais, nossos valores – acabam fazendo com que nós aprendamos, mesmo que de modo inconsciente, o que fazer, onde fazer e com quem fazer. Exemplo: uma pessoa que utiliza um aplicativo de relacionamento e tem boas experiências provavelmente tornará a utilizá-lo; já uma pessoa que saiu com alguém que apenas nas fotos usadas no app não se parecia com o Mr. Bean (caso hipotético…) e não se divertiu nem um pouco, dificilmente tornará a usá-lo, ou utilize com menor frequência do que o primeiro caso. Guardadas as devidas proporções e complexidades, podemos generalizar para a vida.

Neste momento, eu quero propor mais um tipo de reflexão: pense em suas interações sexuais e afetivas, procure por experiências boas, agradáveis e experiências ruins ou desagradáveis, veja como elas te afetaram. Procure se lembrar de ensinamentos de grupos (como familiares, amigos próximos, colegas de trabalho ou estudo) sobre como fazer determinada coisa, a forma correta; isso influenciou na sua vida, nos caminhos que decidia tomar? E, se sim, como se sentiu depois? Claro que quando estamos falando sobre comportamentos sexuais o fenômeno é muito maior e mais complexo do que respostas emocionais a dado evento.

Ainda há um debate acirrado acerca do inatismo da sexualidade, isto é, se nascemos com determinada orientação sexual, através do material genético ou por exposição hormonal na gestação. Independentemente de uma ou outra raiz, é inegável que muitos de nossos padrões sexuais são aprendidos, desenvolvidos, refinados ao longo de nossa vida, o que quer dizer que, mesmo que nasçamos com determinada orientação sexual, nossas experiências e a forma com qual nós interagimos com o mundo a nossa volta vai nos ensinando os caminhos de exercê-la. Há algumas centenas de anos atrás, uma mulher com o tornozelo ou o pulso à mostra poderia levar homens à loucura. Hoje, eu não costumo ver apenas pulsos expostos em aplicativos de relacionamentos e vocês?

Aproveitando para observarmos outras práticas culturais em épocas diferentes, podemos citar a prática de pederastia na Grécia. Não só era comum, como também fazia parte do mecanismo de ascensão social na elite grega, que pupilos e filósofos se relacionassem sexualmente, mesmo que no futuro isso não significasse um padrão homoafetivo em suas relações (Menezes, 2005). Em Tebas, o exército conhecido como o “Batalhão Sagrado de Tebas” era constituído por cento e cinquenta casais de soldados, com o objetivo de melhorar seu desempenho na guerra, que levou a hegemonia de Tebas na Grécia no século IV A.C. Um fato curioso é que este foi o único exército que conseguiu vencer os famosos espartanos mesmo estando em menor número. Duas vezes (Pastore, 2011). Os comportamentos sexuais e afetivos nestes exemplos não estavam associados somente ao gênero, mas a variáveis ligadas à profissão e posição social.

Com as produções da Relational Frame Theory (RFT) dentro do campo da sexualidade humana, podemos compreender como estímulos sexuais se relacionam simbolicamente com estímulos antes não treinados, eliciando respostas de excitação sexual (Barnes e Roche,1997). Esse dado demonstra que as aprendizagens sexuais sofrem influência cultural, mesmo que discreta ou indiretamente, embora ainda sejam necessárias mais pesquisas para atestar com exatidão este efeito.

Tomando essa perspectiva, quer dizer que indivíduos não se relacionam com A ou B porque são de orientação sexual A ou B.  Eles se comportam, interagem romântica ou afetivamente e, assim, vão se entendendo ou se classificando com dada orientação sexual fornecida por uma cultura. Isso permite uma postura mais aberta, pois não se parte de uma experiência já com um apriori, ou um caminho certo à frente, uma vez que começamos a reparar que podem existir outras coisas mais significativas em relações afetivo-sexuais do que somente o gênero e que mesmo as classificações são flexíveis.

A RFT também pode fornecer subsídios teóricos e experimentais para nos ajudar a compreender como essas construções e nomenclaturas vão sendo desenvolvidas. Quais elementos fazem parte do campo da heterossexualidade? O que seria mais hétero ou menos hétero? Hétero e gay são difentes. Quais elementos fazem parte do campo da homossexualidade? E assim sucessivamente. Todos esses estímulos podem estar em molduras relacionais de igualdade, comparação, oposição, e consequentemente, poderão ou não eliciar respondentes sexuais. De Rose (2016), aliás, dedica-se a mostrar como condicionamento respondente se relaciona com comportamento simbólico e sua importância para a manutenção de certas práticas culturais.

Na clínica, um cliente que poderia encontrar-se nessa situação, em que seus desejos ou mesmo seus engajamentos afetivo-sexuais não se encaixam com o senso-comum sobre sua orientação sexual e isso pode levar ao sofrimento. A sensibilidade às variáveis que compõem os padrões sexuais tanto poderia levar a uma melhor compreensão do que está acontecendo, como também a um acolhimento mais aberto e presente, afastado de regras ou normas.

Claro que a intenção deste artigo nunca foi a de esgotar todas as questões referentes à sexualidade, há muito o que se discutir e precisamos ter cuidado, sensibilidade e atenção aos direitos básicos de cada pessoa, já que nossos antecessores utilizaram erroneamente nosso conhecimento para produzir barbaridades na busca de patologizar e “curar” diversos padrões sexuais e de gênero, como aconteceu com a homossexualidade e a transgeneridade.

Este é apenas um dos primeiros passos. E como diria um ditado zen: não se atravessa uma montanha com dois passos.

Referências:

Barnes, D., & Roche, B. (1997). Relational frame theory and the experimental analysis of human sexuality. Applied and Preventive Psychology, 6(3), 117-135.

de Rose, J. C. (2016). A Importância dos Respondentes e das Relações Simbólicas para uma Análise Comportamental da Cultura1. Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, 24(2), 201-220.

Menezes, A. B. D. C. (2005). Análise da investigação dos determinantes do comportamento homossexual humano. Dissertação de Mestrado.

Pastore, F. (2011). O Batalhão Sagrado de Tebas: militarismo e homoafetividade na Grécia Antiga. Revista Trilhas da História, 1(1), 39-51.

Rönspies, J., Schmidt, A. F., Melnikova, A., Krumova, R., Zolfagari, A., & Banse, R. (2015). Indirect measurement of sexual orientation: Comparison of the implicit relational assessment procedure, viewing time, and choice reaction time tasks. Archives of Sexual Behavior, 44(5), 1483-1492.

Categorias
Análise do Comportamento escolhas frustração Questões sociais

Compro um carro ou ando a pé? Psicólogos estudam causas de escolhas.

por Laira Estabile

Com que roupa eu vou? Fazer exercício físico ou relaxar no sofá? Engravidar ou não? Vemos diariamente pessoas por aí em situações em que escolhas podem ou são necessárias de serem feitas. Das situações mais simples até as mais complexas, como: me separar ou continuar no casamento? Mentir ou ser verdadeira em um relacionamento? Há de se considerar que desde quando levantamos da cama estamos fazendo escolhas. Em todos os exemplos citados acima, o que existe em comum é o fato de ter vários motivos que nos levam a escolher.

Podemos observar que as chances de tirar uma nota alta em uma prova podem ser maiores se o estudante entrar em contato com o material das aulas, ler sobre a matéria, escrever, tirar dúvidas e responder questões sobre o conteúdo também aumentam as chances de obter o diploma da graduação ao fim do curso. Porém existem outras possibilidades, como: não estudar, faltar as aulas, não fazer exercícios, deixar os trabalhos de lado e ir “levando tudo isso com a barriga”, e consequentemente as chances de garantir o certificado são reduzidas. As situações exemplificadas nos mostram que, de tudo o que fazemos em nossas vidas, há possibilidades de fazermos de outras maneiras, temos opções de escolha de acordo com nossos critérios, o contexto que vivemos, nossa história e nossa realidade, e então escolhemos (esses são alguns dos motivos que explicam o comportamento de escolha).

            Todos nós nos comportamos para atingir objetivos ou porque o que fazemos agora já deu certo antes ou resolveu alguns problemas, mas como estudar isso cientificamente? Podemos começar pensando nas roupas que você usaria para visitar um amigo, e perceber que entre várias opções e estilos diferentes você vai procurar roupas que combine com você, como uma calça jeans, chinelo e camiseta (ou um estilo que se diferencie deste). Isso ocorre porque naquilo que fazemos temos nossas próprias formas de agir; além de existir vários estilos, você escolhe se vestir com roupas que usa constantemente em detrimento de todas as roupas disponíveis no mercado.

Compreender as causas e os efeitos das escolhas parece interessante para que possamos mudar escolhas feitas no presente que impactam o futuro. Pesquisas experimentais sobre comportamentos de escolha nos permitem compreender mais sobre o comportamento humano, além de possibilitar avanços para outras áreas, como as pesquisas aplicadas a comportamentos de impulsividade, autocontrole e comportamentos sob controle de consequências atrasadas.

Como o tema pode ser pesquisado empiricamente?

Para a maioria das pessoas o sonho de se casar, emagrecer, ter um carro, ou decidir fazer uma poupança e ter dinheiro suficiente para fazer uma viagem pode levar tempo, escolhas diárias e dedicação. São nas situações citadas acima que observamos comportamentos de escolha. Escolher por uma consequência atrasada e mais valiosa em detrimento de uma consequência imediata e menos valiosa envolve o conceito de auto-controle. O auto-controle pode ser definido como um comportamento de escolha por uma recompensa que é maios valiosa e ocorrerá futuramente em comparação com uma recompensa menos valiosa e imediata. Então considerar o tempo, e o tamanho da recompensa é bem importante para estudar esse tema de forma científica.

Quais as possibilidades para pesquisar cientificamente comportamentos de escolha?

Comportamentos são afetados por diversas situações que são vividas, inclusive pela história de vida, e é isso que permite estudar aspectos desse fenômeno. Muitos estudos avaliaram o comportamento de escolha por meio da programação de opções entre recompensas mais e menos valiosas como possibilidades de escolhas.

Figura 1: Diagrama com duas opções (opção A com mais recompensa e maior atraso, e opção B com menos recompensa e menor atraso), que pode ser utilizado em estudos que investigaram comportamentos de escolha.

Após as etapas iniciais, como as apresentadas na figura 1, em um experimento a opção A pode ter como recompensa 2,00 reais após 6 segundos, sempre depois que o participante da pesquisa fizer a sua escolha (que pode ser definida como apertar o botão vermelho), e a opção B, que pode ter como recompensa 0,50 centavos com 1 segundo de atraso depois que a escolha foi feita (apertar o botão azul). Esse é um clássico paradigma usado há anos em estudos que se propuseram a investigar os efeitos da escolha (tem referência empírica ao final do texto para quem quiser dar uma olhada).

Concluindo, estudos de comportamentos que envolvem escolha também podem ser utilizados e aplicados em diversos contextos, como por exemplo o ambiente escolar, podendo aumentar as chances de uma criança respeitar, obedecer e também seguir regras quando existe a possibilidade de receber recompensas posteriores que podem ser maiores do que as recompensas imediatas.

Lá vai a referência: HANNA, Elenice S.; RIBEIRO, Michela Rodrigues (organizadoras). Autocontrole: um caso especial de comportamento de escolha. Revista Análise do comportamento: pesquisa, teoria e aplicação, pg. 175-187, Artmed, 2005.

O que achou do texto? Qualquer dúvida, sugestão ou opinião, deixe seu comentário aqui embaixo!

Escrito por: Laira C. Estabile – CRP 08/23595

Categorias
Análise do Comportamento Bloqueio de escrita Bloqueio de escrita

Bloqueio de escrita: o temível!

O teclado do PC não funciona? Entenda as causas - Blog bringIT

por Francisco Jacinto Junior

Ok, imagine que você é alguém que canta, tem uma turnê marcada e, como as coisas nunca foram fáceis, cada show tem uma enorme importância. Você começa seus shows, é capaz de sentir o amor e a emoção de cantar, quando de repente, não mais que de repente, sua voz falha, o nervosismo aumenta, e fica impossível cantar. Você sabe todas as letras, sabe as notas, mas por alguma razão: nada acontece. Se essa metáfora fosse sobre um mímico, talvez não tivesse problema algum, mas para um cantor… Bem, acho que vocês já entenderam onde eu quero chegar.

Para escritores, o escrever é parte substanciosa de seu ofício, por essa razão, não é de se admirar que o bloqueio de escrita seja um fenômeno tão temível. Sintomático, esse medo pode ser observado em como a arte explora conflitos de escritores em torno de estados de bloqueio de escrita. Há filmes, séries, livros e até mesmo jogos com essa temática. Boa parte do conteúdo citado é drama, já no caso de Alan Wake, um jogo de 2010, o bloqueio da escrita é permeado por elementos do terror. E a academia? Bem, ela pareceu dar pouca atenção ao fenômeno no decorrer dos anos, principalmente em se tratando de escritores literários (Ahmed, 2019; Cruz, 2020).

Na literatura, encontramos a definição de que o Bloqueio de Escrita é um estado de dificuldade em começar ou manter uma escrita, de duração distinta e que pode ocorrer nos diversos estágios do escrever (Ahmed, 2019; Cruz, 2020). É comum ouvir explicações de que escritores não escrevem porque estão passando por um bloqueio de escrita. Essa explicação, no entanto, como as demais que envolvem o uso de conceitos, acaba caindo numa circularidade que dificilmente irá nos levar a algum lugar. É o famoso ciclo: você não está escrevendo porque tem bloqueio de escrita ou você tem um bloqueio de escrita porque não está escrevendo? Assim, para o professor Robson Cruz, um dos pesquisadores brasileiros que tem se dedicado ao estudo do processo psicológico da escrita, o fenômeno do bloqueio da escrita deve ser compreendido muito mais como um sintoma, um estado a ser investigado do que uma explicação a ser buscada (Cruz, 2020).

Vamos voltar rapidamente à metáfora do rio explorada no texto anterior. Se a escrita é como um rio que flui, certas variáveis servem como barreiras impedindo seu fluxo, desviando suas águas ou mesmo as represando por completo. O bloqueio da escrita, então, é este estado em que o terreno está dificultando o seu processo. A água está lá – como muitos escritores descrevem saber o que escrever -, é preciso apenas encontrar a forma de fazê-la atravessar, nem que seja através de novos caminhos. E sim, eu sei que na metáfora é mais fácil, por isso devemos ter atenção e cuidado.

Ahmed (2019) realizou uma revisão e uma pesquisa com 146 escritores de diversos gêneros ficcionais e não-ficcionais. Seu objetivo era realizar um levantamento de variáveis que favoreceriam o estado de bloqueio e verificar em quais momentos tendiam a aparecer e de que maneira isso ocorria em sua amostragem. As quatro categorias de variáveis que influenciariam na escrita foram:

  • Psicológicas/afetivas: como episódios estressantes ou estados de depressividade ou esgotamento.
  • Motivacionais: tais quais avaliação de ansiedade ou desmotivação com o processo de escrita.
  • Cognitivas: a exemplo de perfeccionismo ou  rigidez de planejamento.
  • Comportamentais: como se ocupar demais, alterar a rotina ou procrastinar. De acordo com a sua revisão, estas foram consideradas as variáveis que mais afetariam o comportamento de escrita.

Ahmed (2019) observou em sua amostra que variáveis psicológicas e motivacionais apareceram mais como causas de períodos de bloqueio. Observou-se também que, escritores que mantinham um ritmo mais frequente de escrita apresentavam períodos curtos de bloqueio. E, por fim, a autora sugere que seus dados indicariam que certas variáveis estariam mais propensas a aparecer em estágios específicos do processo de produção.

Silva (2018), por sua vez, atenta para certas barreiras especiais que prejudicariam o escrever, certas regras que comumente aparecem nas falas de escritores, sendo elas: “Não tenho tempo para escrever”; “Eu preciso fazer algumas análises primeiro” ou “preciso ler mais trabalhos sobre o tema”; “Para escrever mais eu preciso de um novo computador”; “Eu estou esperando a inspiração”; “Eu preciso organizar coisas antes de escrever”.

Como dito, a autora parece se pautar em certas regras que poderiam enrijecer ou prejudicar o processo da escrita, estabelecendo-se assim como barreiras para seu fluxo elevado. Embora algumas dessas sejam semelhantes às categorias de Ahmed (2019), eu decidi apresentá-las, pois é importante explorar algumas concepções que nossos clientes possam apresentar sobre a escrita. Além do mais, também é importante pensar em quantas dessas barreiras nós mesmos acreditamos.

Naturalmente, quando se diz que “preciso ler mais trabalhos sobre o tema” é uma barreira para a escrita, não se deseja reforçar que pessoas escrevam sem fontes. Porém, é comum acreditarmos que não sabemos nada sobre o que queremos escrever, mesmo que tenhamos nos dedicado a isso. Além disso, tudo bem não saber sobre tudo, sendo a escrita um processo, você pode começar a escrever e depois corrigir as informações que podem ter sido colocadas equivocadamente. O mesmo vale para “não tenho tempo para escrever”. É comum ver que escritores realizam outros ofícios além da escrita, logo, o tempo será inevitavelmente dividido. Contudo, breves sessões de escrita podem ser arranjadas para manter uma escrita regular. Calculem comigo: 15 minutos por dia é quantitativamente maior do que 0 minuto por dia. Eu fiz as contas, pode conferir.

Cruz (2020) também aponta que certas variáveis culturais podem contribuir para o estado de bloqueio. A romantização de ideias sobre a escrita ou sobre ser um escritor podem contribuir para padrões ineficientes. O elitismo e o não reconhecimento da aprendizagem tácita reforçam esse cenário, atribuindo valores intelectualmente superiores à escrita, ignorando ou mesmo punindo práticas que visam o desenvolvimento processual da escrita.

Nesse contexto, Boice (1984) pontua como práticas culturais dentro da academia podem contribuir para esses estados. Em seu artigo Why Academician don’t write, ele observou que mulheres apresentavam uma menor produção escrita em relação aos homens e padrões mais perfeccionistas. A explicação? Práticas machistas, assim como outras práticas discriminatórias vivenciadas dentro da academia,  poderiam estar dificultando os padrões de escrita,. Ademais, regras não claras sobre publicações e os demais trâmites também contribuiriam para este contexto.

Essas variáveis são, ao meu ver, ainda mais preocupantes, uma vez que Ahmed (2019) e Silva (2018) pontuam padrões individuais que podem ser adaptados a contextos favoráveis para a escrita, Boice (1984) e Cruz (2020) alertam para práticas culturais mais difíceis de serem modificadas. É como se a pessoa que canta e está sem voz, ainda tivesse que passar por todas essas dificuldades no meio de um bombardeio que não está exatamente sob seu controle. E isso não diz respeito a nossos clientes, mas a nós pesquisadores e membros da academia: o quanto estamos corroborando tais práticas?

 Por mais que, enquanto profissionais de Psicologia, possamos auxiliar nossos clientes em momentos de bloqueio, esta prática é de certa forma paliativa, e acredito que isso é importante de se pontuar. Mesmo que ensinemos práticas para que a escrita ocorra de maneira saudável, fluida, é particularmente impossível dizer que escritores estejam cem por cento livres de estados de bloqueio. Há momentos em que coisas fogem do alcance, talvez um prazo apertado, um estresse por um trabalho importante, alguém da família que adoeceu… Como uma dor de cabeça, ele pode aparecer. Brigar contra um sintoma, contra estados emocionais aversivos tem demonstrado ser mais prejudicial do que de fato benéfico (Hayes, Strosahl & Wilson, 2021), seria equivocado supor que na escrita aconteça o mesmo?

Então por que insistimos em olhar para o bloqueio de escrita como o temível? Claro, ninguém deve gostar de passar por bloqueios de escrita, mas se mudarmos nossa relação com ele, se passarmos a olhá-lo como um mensageiro, um sinalizador de que algo não está bem naquele momento, talvez se torne mais fácil de trabalhar e quem sabe não traga tantos sentimentos aversivos. Principalmente porque, em alguns casos, esses sofrimentos podem ser fruto de uma cultura punitiva, coercitiva, ou empobrecida de reforçadores, e não necessariamente de comportamentos diretos do indivíduo.

Ou seja: se o rio não está fluindo por este caminho, pode não ser problema da água, mas do percurso. Encontrar, com seu cliente, formas de potencializar o seu fluxo, ou de criar novos caminhos para que essa água transborde, pode ser mais útil do que focar exatamente nas barreiras encontradas.

Em textos futuros eu gostaria de abordar padrões que favorecem a escrita. Porém, como é comum de se ouvir que a Inspiração vem antes da escrita, pensei que fosse melhor começarmos por ela. Para o próximo texto, eu gostaria que pensasse: quais são as coisas que te inspiram? Músicas? Cenários? Conceitos? É a prática do trabalho? Não é porque somos cientistas que devemos ignorar nossas Musas.

Até lá, espero que fiquem bem e em segurança.

Referências:

Ahmed, S. J. (2019). An Analysis of Writer’s Block: Causes, Characteristics, and Solutions.(Dissertação de Mestrado). University of North Florida, Jacksonville, FL. Disponível  em: https://digitalcommons.unf.edu/etd/903

Boice, R., & Jones, F. (1984). Why academicians don’t write. The Journal of Higher Education, 55(5), 567-582. doi: 10.1080/00221546.1984.11780679

Cruz, R. N. (2020). O Bloqueio da Escrita Acadêmica: caminhos para escrever com conforto e sentido. Belo Horizonte: Artesã. Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (2021). Terapia de Aceitação e Compromisso-: O Processo e a Prática da Mudança Consciente. Artmed Editora.

Jacinto Junior – Psicólogo formado pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR – 2020). Escritor de Literatura e Co-Fundador do coletivo de Escritoras e Escritores Nordestinos: Oxe LGBT NE. Atua com processos clínicos e com atendimentos focados para a escrita.

Onde encontrar:

Instagram: @autorjacinto/ @projetoparnaso/ @oxelgbtne

Categorias
Análise do Comportamento Clínica Questões sociais Relações humanas

Ainda esperamos por nossas Musas para começar a escrever?

Espero me recordar para sempre deste sonho.

Era uma noite escura, uma garota corria desesperada, lutando para manter o equilíbrio por entre uma estrada tortuosa. Atrás de si, uma besta horrenda rosnava em ao seu enlace. Por entre as árvores de caules negros, um cavalo se meteu em seu caminho, e a velha bruxa a tomou pelos pulsos, ajudando-a a fugir. No sacolejar da montaria, a velha explicava tudo para a garota sobre o que estava acontecendo e mais tarde, ao encontrarem seu tio e narrar toda a história, ele começa a escrever sobre os horrores trazidos por um artefato a uma afastada vila.

Durante todo o sonho, eu não fiz parte dele, quero dizer, toda a cena se desenrolava como se eu assistisse a um filme. Os personagens, já com nomes e funções dentro da narrativa eram mostrados, e o sonho terminava com o livro já sendo escrito. Eu me lembro da frase final, era algo como:

“E esta é uma história que narra muito bem o porque não se deve aceitar presentes de um estranho.”

Claro que utilizei este sonho para se tornar um romance que está em processo de criação. Essa não foi a primeira vez que fiz isso, nem mesmo a única. Nem mesmo eu sou o único a utilizar sonhos como fonte de inspiração. Harry Potter, romance que marcou uma geração inteira e tornou J. K. Rowling a primeira escritora de livro infantil milionária, teve sua ideia vinda de um sonho.

Quis começar destacando o sonho, porque, assim como a inspiração, este é um assunto que costuma estar envolvido certo misticismo e cujo interesse remonta a milênios atrás. Além de ser um resultado complexo de interações — bem, pela narração de meu sonho acima, acredito que seja sensato falar em muitas interações complexas envolvendo, principalmente, a história de vida individual e cultural. Essa associação, na verdade, é feita por Skinner (1957), mas já chegaremos lá.

Na Grécia antiga, a importância dada à inspiração foi tamanha que ela teve direito a um grupo de divindades: as Musas. Seres que inspiravam nos artistas as palavras certas em suas obras, abençoando-os em sua produção. Aliás, esta concepção era tão forte, que os gêneros possuíam uma marcação estrutural de invocar as Musas, ou outras divindades, para ajudá-los em sua empreitada artística, a qual se repete nas obras gregas Teogonia, Odisséia e Ilíada; romana, Eneida; portuguesa, Os Lusíadas e sobrevive até hoje, como em O amor de Apolo e Jacinto, em que o autor cearense mescla elementos da poesia épica com o cordel.

Eu poderia continuar a contar muitos outros rumores que circundam as diversas fontes de inspiração de escritores, porém quero, na verdade, falar sobre uma postura que parece perdurar desde os tempos de ouro da Grécia, se não antes: o de esperar a inspiração para começar a escrever.

Durante as eras, aprendemos a lidar com aquilo que entendemos por inspiração como sendo uma força motriz, por vezes única, de fazer o rio fluir. Uma pergunta rápida: quantas vezes você esperou pela inspiração para poder começar a escrever? E não me refiro unicamente a escritores literários, também já vi escritores acadêmicos reproduzindo o mesmo discurso quando questionados sobre o porquê de não escrever: “estou esperando a inspiração”, ou pelo menos: “estou esperando o momento perfeito”. Bem, sinto muito quebrar um pouco do romantismo, mas explicar a sua escrita através da inspiração, é a mesma coisa que falar que não escreve por um bloqueio. Voltamos àquele estado circular.

— Por que você está escrevendo mais?

— Porque eu estou inspirado!

— E como é que você sabe que está inspirado?

— Porque eu estou escrevendo mais!

Vamos lá, antes que desistam de mim por blasfemar contra a inspiração, afirmar que ela não produz a escrita, não é a mesma coisa que dizer que ela não existe.  Inspiração existe, sim, mas assim como o bloqueio de escrita, nós estamos falando de um estado — ativado por alguma razão ou razões — em que se observa uma maior facilidade para escrever, uma baixa no autojulgamento, uma maior fluidez e foco, e não de uma coisa que nos faz escrever.

Trazendo para a metáfora do rio, este é o momento em que afluentes estão favorecendo o seu rio da escrita, ou mesmo que não existem barreiras para represar suas palavras sedentas para sair. O que existe apenas é o horizonte inimaginável da escrita.

Eu sei, é bom se sentir assim. De certo modo, até viciante, não? O problema acontece quando nos relacionamos com a “Inspiração” como se ela fosse a única responsável por nos levar à escrita, pois, como em toda regra, o que se observa é uma maior insensibilidade ao seu contexto atual, podendo levar a padrões adoecidos (Hayes, Strosahl & Wilson, 2021). Ou seja, para começar e continuar sua escrita, alguém precisaria estar nesse ponto tido como ideal ou certo, caso contrário, ela poderia não ser boa, iria ser automatizada, sem emoção etc. Esse tipo de postura não difere tanto dos antigos à espera das divindades, das Musas: o protagonismo da escrita passa a não mais pertencer ao escritor, mas a esse outro, essa instância metafísica que nos anima, a inspiração.

Isso soa um pouco perigoso, porque nos faz adotar uma espécie de postura passiva diante da escrita. Inspiração é importante, sim, mas ela é apenas uma parte do processo, um aspecto motivacional o qual você deve usar a seu favor, e não ficar refém dele. 

Mas como a inspiração funciona? Seria possível fazermos algo para nos deixar mais abertos a esse estado?

Em minha experiência, seja como escritor ou psicólogo, ouvi diversos contextos que deram ideias sobre o que escrever a pessoas. Sonhos, matérias de jornais, conversas com amigos, uma paixão… Colocando-me um pouco aqui no texto, muitas de minhas ideias mesmo aparecem em sonhos, e desde que era mais jovem, é muito comum que o processo de criação de ideias ocorra enquanto eu ando! Aliás, uma das formas utilizadas por escritores para sair de um estado de bloqueio que mais foi citada na pesquisa de Ahmed (2019) foi andar.

Boice (1990), por sua vez, pode nos oferecer uma importante contribuição para esse estado que compreendemos como inspiração. O pesquisador, tendo como foco produções acadêmicas, reuniu um grupo de professores e arranjou uma série de contingências, atribuídas aos participantes aleatoriamente, dividindo-os em três grupos: o primeiro, em condição de abstinência, foi proibido de qualquer escrita não emergencial, imediata; para o segundo, em condição espontânea, agendaram-se 50 dias de escrita, mas os participantes só deveriam escrever quando se sentissem inspirados; e o terceiro, por sua vez, foi obrigado a escrever durante todos os 50 dias da pesquisa. Os resultados mostraram que o terceiro grupo não só escreveu consideravelmente mais em relação aos anteriores, como seus participantes também relataram ter ideias as quais consideravam mais criativas.

Anote esta dica: manter uma escrita constante, nem que seja por breves períodos, pode ser essencial para um estabelecimento de um hábito saudável. Mais à frente iremos conversar sobre isso. Por mais paradoxal que possa parecer, manter uma escrita constante pode ser uma variável importante para o surgimento de ideias criativas, como ocorre em estados de inspiração, e não o contrário como se pensa ou se costuma falar.

Skinner (1957), em um capítulo dedicado ao processo de autocorreção — processo que gostaria de retomar em textos futuros –, pontuou que estados de inspiração parecem estar associados com baixas nesse processo de edição. Assim como nos sonhos, não existem barreiras ou contingências punitivas de seu conteúdo, apenas um livre fluxo de informações, que guarda similaridade com a escrita automática (escrever livremente sem se autocorrigir, sem ponderar muito sobre as palavras a serem colocadas, deixando-as fluir). No caso, ele cita o exemplo do autor Stevenson, do célebre romance O Médico e o Monstro, cuja ideia para a obra também se originou em um sonho.

Como disse antes, o sonhar é apenas uma das diversas fontes de inspiração, isto é, desse estado motivacional que nos ajudaria a contribuir para a nossa escrita. Em minhas sessões, eu costumo pedir para que meus clientes estejam atentos a contextos que poderiam dar novas ideias, seja para a escrita literária, seja para a acadêmica. Por exemplo, um artigo que me deu muitas ideias foi o de Rose (2016), e sempre que o releio, parece que me vêm mais ideias para explorar em futuros trabalhos. Esta postura significa, principalmente, se deixar ouvir mais sem autojulgamento ou, principalmente quando for escrever, deixar que o rio flua sem barreiras.

Um benefício de pensar na inspiração como estado motivacional, é saber que ela na verdade é produto desses fatores, um efeito que adoramos e valoramos, em que coisas no mundo o inspiraram a ter aquela ideia, aquela fala, ou a estruturação de um conceito. Se a inspiração é produto de algo que fazemos, nossa postura não mais está passiva, mas sim ativa, protagonista, seja ao vermos uma notícia, encararmos uma memória ou lermos um artigo científico.

De todo modo, estar mais atento ao presente e ciente de seu processo de escrita, de um modo ativo e protagonista, é sobretudo um convite para procurar inspiração nos mais diversos recortes de sua vida! Observe seu mundo privado, seus pensamentos e sentimentos, ou mesmo olhe para o mundo externo, algum acontecimento peculiar, algum trabalho científico que leu, todos esses elementos podem ser a fagulha que estava procurando! Sempre anote suas ideias, sem receio ou julgamento — lembre que estamos falando de um processo aqui –, separe um espaço para se sentir livre para criar e retornar. Eu costumo fazer isso num arquivo de texto ou mesmo pelo celular, o importante é não perdê-las. Ideias são como sementes, antes de darem frutos, é necessário plantar, germinar e alimentar. Então, sim, mantenha suas sementes.

Inspirações não são eternas, ou seja, você, ou seu cliente, experimentará muitos estados de inspiração, mas todos eles terão seu início, meio e fim. Permanecendo com uma postura ativa, cultivando as práticas citadas acima, você poderá estar mais aberto e reconhecer a sua relação com a inspiração, tornando-se cada vez mais protagonista da própria escrita.

Referências Acadêmicas:

Ahmed, S. J. (2019). An Analysis of Writer’s Block: Causes, Characteristics, and Solutions.(Dissertação de Mestrado). University of North Florida, Jacksonville, FL. Disponível  em: https://digitalcommons.unf.edu/etd/903.

Boice, R; (1990). Professors as writers: A self-help guide to productive writing. Stillwater: New Forums Press.

de Rose, J. C. (2016). A Importância dos Respondentes e das Relações Simbólicas para uma Análise Comportamental da Cultura1. Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, 24(2), 201-220. Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/2745/274545739006/html/

Hayes, S. C., Strosahl, K. D. & Wilson, K. G. (2021). Terapia de Aceitação e Compromisso-: O Processo e a Prática da Mudança Consciente. Artmed Editora.

Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York: Appleton-Century- Crofts.

Referências Literárias:

Eneida – Virgílio

Harry Potter e a Pedra Filosofal – J. K. Rowling

Ilíada – Homero

O amor de Apolo e Jacinto – Mateus Costa

Odisseia – Homero

O Médico e o Monstro – Robert Louis Stevenson

Os Lusíadas – Luís de Camões

Teogonia – Hesíodo.

Categorias
adolescência Análise do Comportamento trilhas

Díade|lab Trilhas: Aprendendo sobre a ANSIEDADE em tempos de COVID-19

Aprendendo sobre a ANSIEDADE em tempos de COVID-19

Por Denis Zamignani (DíadeLab, Paradigma, Evolucio Capacitação)

Ola! Esse é oi segundo episódio da série DíadeLab Trilhas. Pra você que está na maior pilha pra estudar mas precisa de uma mãozinha pra não se perder no caminho!

Continuamos nossa viagem sobre o mundo da Ansiedade, falando um pouco sobre a ansiedade num mundo em Pandemia.

A ansiedade e os transtornos a ela relacionados estão há muito tempo presentes na nossa prática clínica, mas o advento da pandemia de COVID19 trouxe novos desafios para o terapeuta. A experiência de ameaça constante (e invisível) trazida pela pandemia afetou significativamente aqueles que estão na linha de frente do enfrentamento da Pandemia. Em uma meta-análise realizada por Silva e col., foi constatada alta prevalência de ansiedade entre profissionais de saúde, sendo maior o risco entre mulheres e enfermeiros. Os achados indicam a importância de medidas para a prevenção e o tratamento adequado, especialmente daqueles que apresentam sintomas de ansiedade moderada e grave. No vídeo “Ansiedade em tempos de COVID – Acolhimento ao cliente e autocuidado do terapeuta”, Denis Zamignani conversa com Josy Moriyama sobre ansiedade em tempos de pandemia, na Capacitação para suporte psicológico da Equipe de terapeutas da UEL. E esse episódio da série Trilhas está Global! Vale apena assistir a live do Instituto Agir e Pensar, onde Valessa Oliveira entrevista a atriz Mariana Santos falam sobre maneiras criativas com que a atriz lida com sua ansiedade – por vezes deliciosamente cantando e dançando suas crises de pânico – dentre outras passagens de sua história. Nessa outra live, Equilíbrio Emocional em Tempos de Isolamento, Pedro Quaresma conversa com a atriz Jacqueline Sato, que conta de maneira divertida, como “virou a louca da faxina” nas primeiras semanas, e passou a equilibrar os afazeres domésticos, as demandas profissionais, as demandas da House of Cats, o auto-cuidado e o cuidado com a avó durante a quarentena.

Mas não são apenas os profissionais que trabalham na linha de frente que sofreram com a ansiedade. A ansiedade tem aumentado significativamente na população em geral. No estudo desenvolvido por Barbosa e cols., foram encontrados níveis elevados de ansiedade desencadeados após a pandemia. Diversas são as fontes de ansiedade: o período excessivo de isolamento e distanciamento social, o medo de se contaminar ou mesmo o bombardeio de informações, conforme aponta esse artigo de Sidnei Priolo no Portal Comporte-se. O trauma de perder entes queridos ou de ter a própria vida ameaçada ao sofrer a contaminação pelo vírus podem ser fonte de estresse pós-traumático . Transtornos de ansiedade também são detectados em pessoas que foram contaminadas pelo COVID-19. Em um estudo desenvolvido pelo Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, a avaliação subjetiva prevalente dos pacientes pós-COVID é de dor, ansiedade e depressão. O isolamento do paciente durante a internação, na qual ele fica privado de visitas familiares ou mesmo sem contato por celular pode ter grande impacto na sua saúde mental. Outro estudo desenvolvido com pacientes três meses após testar positivo para COVID-19 detectou que quase um em cada cinco (18%) recebeu um diagnóstico psiquiátrico, o que é quase o dobro de outros grupos de pacientes com condições e doenças diferentes. Devido a estes achados, a ansiedade tem sido estudada como uma possível sequela do Coronavirus.

A Pandemia foi também um catalisador de ações incríveis de acolhimento e solidariedade. Muitos projetos foram desenvolvidos para acolhimento da população em sofrimento psicológico em função da Pandemia de COVID-19. Exemplos desses projetos foram desenvolvidos no Centro Paradigma – o Projeto Mobilização Paradigma (veja os vídeos do simpósio sofrimento psicológico na Pandemia Parte 1 e Parte 2)  e na Universidade Estadual de Londrina – o Projeto Suporte Psicológico COVID-19 (veja o texto de Josy Moriyama e Renata Grossi sobre o Projeto).

E nós, terapeutas? Será que a Pandemia afetou nossa saúde mental? Nesse episódio da série REDETAC em Evidências, Alessandra Vilas Boas e Ana Carmen Oliveira têm uma conversa cheia de sensibilidade sobre os impactos no terapeuta das mudanças provocadas pela pandemia do Covid-19 e o cuidado para quem cuida. Nessa Live Paradigma “Mindfullness: estratégias em dias de isolamento“, Roberta Kovac fala sobre os benefícios do mindfullnes e apresenta alguns recursos que podem contribuir para enfrentar a ansiedade desse período tão difícil. Aproveita e dá uma olhadinha na aula incrível sobre autocuidado do terapeuta que a Fátima Conte e o Bernardo Rodrigues deram no Curso da DíadeLab “Olhares sobre a prática clínica do Terapeuta Analítico-Comportamental – Aula 21 – Terapeuta também é gente.

Nas próximas Trilhas DíadeLab, vamos falar ainda mais da ansiedade, em diferentes contextos e sob diferentes perspectivas.

Você tem alguma dica pra tornar essa trilha ainda mais interessante? Escreva aqui nos comentários suas sugestões de leitura, vídeos, áudio e compartilhe com a gente sua experiência! Comunidade DíadeLab… Juntos a gente chega mais longe!

Categorias
Análise do Comportamento ansiedade trilhas

Díade|lab Trilhas: Aprendendo sobre a ANSIEDADE sem a ansiedade pelo excesso de informações

Parte 1: definindo a ansiedade enquanto fenômeno comportamental.

Por Denis Zamignani (DíadeLab, Paradigma, Evolucio Capacitação)

Você já ouviu falar de infoxicação? É um termo pouco conhecido, mas que retrata bem os dias de hoje… somos bombardeados de informações de todos os lados. Com o desenvolvimento da internet e das redes sociais, temos acesso a muita informação útil, mas também a uma infinidade de informações falsas. Foi pensando nisso, que criamos a série DíadeLab Trilhas. Pra você que está na maior pilha pra estudar mas precisa de uma mãozinha pra não se perder no caminho!

E já que falamos de ansiedade, vamos começar nossa viagem falando desse tema tão desafiador.

Nossa viagem começa com um vôo panorâmico: no artigo “Um panorama analítico-comportamental sobre os transtornos de ansiedade”, Denis Zamignani e Roberto Banaco abordam a ansiedade enquanto fenômeno clínico, diferenciando a ansiedade normal do cotidiano das suas manifestações clínicas. Você já se deu conta de que a ansiedade é um mecanismo de sobrevivência? Imagina só você atravessando a rua, quando se depara com um veículo a toda velocidade vindo na sua direção! Aquela descarga de adrenalina que te faz sair no pinote e fugir a toda velocidade é fundamental para que continue por aqui contando sua história. Mas por vezes essa ansiedade foge do controle e precisa de intervenção terapêutica ou medicamentosa. No artigo, os autores vão apresentar uma análise detalhada dos processos respondentes e operantes envolvidos nos transtornos de ansiedade. Esses processos são explicados também no vídeo “Entendendo e Vencendo a Ansiedade”, no qual Denis Zamignani (bem jovenzinho e alguns quilos mais magro!) fala sobre os transtornos de ansiedade na clínica.

Na DíadeLab, você também pode aprender sobre os processos comportamentais envolvidos na ansiedade, nas aulas do Curso “Do Laboratório para a vida”. Na aula 4, “Um futuro ameaçador”, o Prof. Denigés Regis Neto apresenta o modelo experimental de Supressão condicionada e sua contribuição para a compreensão da ansiedade – como processos respondentes podem interferir sobre o desempenho operante, levando à ansiedade e à paralização. Na aula 5 do mesmo curso, o Prof. Felipe Corchs fala sobre “Os transtornos relacionados a ameaças” – uma análise sobre padrões de mobilização orquestrada dos recursos do organismo perante situações de ameaça, que pode se dar nos transtornos de ansiedade, depressivos e de estresse pós-traumático. Para além das experiências concretas com eventos aversivos na determinação da ansiedade, a história de relações verbais e simbólicas exerce também um papel importante; no vídeo “RFT e ACT: Explicação e Tratamento da Ansiedade”, Roberta Kovac explica como isso ocorre e como a terapia verbal pode contribuir no manejo da ansiedade. Quer aprofundar ainda mais o estudo do assunto? A dissertação de mestrado da Nilzabeth Coelho, sob orientação do Prof. Emmanuel Zagury Tourinho traz uma excelente análise das variáveis envolvidas na ansiedade.   Nas próximas Trilhas DíadeLab, vamos falar ainda mais da ansiedade, em diferentes contextos e sob diferentes perspectivas.

Categorias
Análise do Comportamento terapia baseada em processos

Terapia Baseada em Processos e o Retorno ao Tratamento Individualizado

por

Denis Zamignani /Fernanda Calixto / Pedro Quaresma

Um novo paradigma em psicologia clínica parece estar surgindo. A proposta de uma Terapia Baseada em Processos (TBP) questiona o modelo anterior da terapia baseada em evidências por se apoiar no modelo de doença médica com protocolos de terapia específicos vinculados a síndromes descritas nos manuais psiquiátricos.

Trata-se de uma nova geração de cuidados terapêuticos baseados em evidências, voltada para a intervenção  sobre processos comportamentais transdiagnósticos (Hayes & Hofmann, 2018). A ênfase nesses processos transdiagnósticos representa uma mudança no desenvolvimento dos estudos de efetividade em psicoterapia, em que os processos (tais como esquiva experiencial, regulação emocional ou Flexibilidade Psicológica) ganham mais relevância no tratamento que os procedimentos (Mindfulness, exposição com prevenção de respostas, dessensibilização). 

Autores que têm defendido o modelo de TBP apontam que muitos dos manuais de intervenção para diferentes transtornos psiquiátricos descrevem basicamente os mesmos processos comportamentais na especificação de seus sintomas. Adicionalmente, defendem que a queixa clínica de um indivíduo nem sempre se encontra representada unicamente pelo conjunto de sintomas descritos nos transtornos. Para cada indivíduo existe uma possibilidade de combinação infinita de processos comportamentais envolvidos nas suas demandas terapêuticas. 

No modelo de TBP há um retorno à ênfase no tratamento altamente individualizado e criativo por parte do terapeuta. Bem como, quando nos referimos à analistas do comportamento, do retorno da presença da análise de contingências como base do trabalho do clínico. Assim, há um retorno ao papel central da análise específica de cada caso clínico conduzida pelo terapeuta na mudança nas vidas dos seus clientes. 

Hofmann, Stefan G., & Hayes, Steven C.. (2018). TCC Moderna CBT: movendo-se em direção a terapias baseadas em processos. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 14(2), 77-84. https://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20180012

Categorias
adolescência Análise do Comportamento Clínica

Limites (e sugestões) para orientação de pais em atendimentos com adolescentes

Gessika N. Gimenez Hilgemberg

Sabemos que em um processo terapêutico infantil sob perspectiva da Análise do Comportamento, a participação dos pais é de extrema importância. Muitos autores salientam inclusive que psicoterapia infantil sem a participação dos pais é inviável (para não falarmos que é impossível).

Mas e quanto a participação dos pais em um processo que envolve os adolescentes? Quais são os limites? Até qual ponto a participação deles pode ser eficiente ou até atrapalhar? Quando começamos a olhar para este aspecto, nos deparamos com um ponto crucial: a relação terapêutica.

Os adolescentes são conhecidos (de forma muitas vezes generalista e até equivocada) como um público desconfiado, inseguro e que preza pela sua privacidade. Só por aí já temos informações (sejam elas verídicas ou não) de como precisará se dar a relação com estes clientes. Para aqueles que topam e se engajam no processo, eles muitas vezes esperam que o terapeuta seja a pessoa acolhedora, empática e não punitiva diante de seus relatos de aventuras e sofrimentos vividos. Esperam que o terapeuta “entre” em suas descobertas e que a terapia possa ser um lugar seguro e que nada do que ele falar seja criticado ou exposto – principalmente para os pais.

Mas em determinados momentos, orientação aos pais é por vezes importante. Imagine um cliente de 17 anos que apresenta padrão comportamental de ansiedade social e dependência de outros, que está engajado para mudanças e enfrentamentos, e já trabalhou estratégias de ansiedade em terapia. Ele reside a poucas quadras do consultório do terapeuta, mas os pais ainda o trazem para as sessões. Entraria, em algum momento da terapia, a estimulação e encorajamento por parte do terapeuta para que aquele cliente experimentasse caminhar até o consultório por alguns metros, sozinho. E aí caberia uma conversa de orientação ao pais para que estimulassem este cliente também a vir sozinho e fazer esse enfrentamento rumo a melhora. Mas neste momento, todo o cuidado é necessário para que não seja quebrado o vínculo com o adolescente, onde ele é seu cliente e você deve seu sigilo.

Para isto, tomo alguns cuidados neste processo. Estes claro, modelados pelo acerto e erro na prática clínica, supervisões e literatura. São alguns deles:

  • Sempre que for necessário chamar os pais, comunico de antemão ao meu cliente pedindo sua autorização. Explico qual meu objetivo ao trazer os pais para o consultório, muitas vezes faço a análise funcional do porque seria importante ter essa conversa com eles e garanto o meu sigilo a ele. Dificilmente converso com os pais sem antes ter este aval por parte do cliente.
  • Tomo o cuidado de na sessão seguinte a conversa com os pais, trazer para meu cliente os pontos importantes que foram discutidos. Isso auxilia para que o cliente não entre em ansiedade em querer saber o que foi conversado ou que não crie fantasias de que o terapeuta e seus pais possam ter criado uma aliança contra o cliente, por exemplo. Isto claro, de acordo com o interesse do cliente. Alguns não estão interessados em saber (pode ser aversivo) e aí informo apenas aquilo que é relevante para o trabalharmos o caso ou relevante para o cliente.
  • Outro cuidado que considero ser importante é que na grande maioria das vezes opto por fazer a orientação aos pais sem a presença do cliente. Isso pois muitas vezes eles consideram ser muito aversivo estar ali, com os pais, onde muitas vezes estes podem criticar ou julgar algum comportamento do filho. Provavelmente terminará em um “climão”, onde o objetivo daquele encontro sai de orientação aos pais e caminha para terapia familiar. Mas claro, existem as excessões. Se a análise funcional mostra que será mais importante para o vinculo com você, ou que aquele cliente quer participar para esclarecer juntamente de ti alguns pontos, é muito válido incluir. Desde que ele tenha o interesse e a análise do caso mostre que aquilo será benéfico para seu cliente.
  • Existe também outras duas possibilidades que encontro na clínica: quando o cliente não quer que o terapeuta faça essa conversa ou quando envolve comportamento de risco. No caso da primeira, explico todas as consequências favoráveis para que eu realize aquele encontro, protejo nossa relação falando sobre o sigilo, mas tem vezes que não tem como. O cliente não está disposto. Neste caso, escolho por acolher e mostrar compreensão. Tento compreender seus motivos, converso sobre eles e informo inclusive que aguardo e que não agendarei minha conversa com os pais sem sua autorização. Mas é comum que eu avise que em algum momento isto precisará ser feito, podendo não ser na próxima semana, mas talvez na outra ou em algum outro momento. E junto disto, avalio sempre a função para que aquele cliente não autorizasse essa minha reunião com os pais.
  • Um segundo caso que muitas vezes elicia respondentes em nós terapeutas é quando o cliente está emitindo comportamentos de risco a si ou a outros e precisaremos comunicar os pais. Nesses casos, mostro ao cliente as consequências daquele comportamento e as consequências que eu enquanto terapeuta estarei correndo também caso não avise aos responsáveis. Em geral, o cliente costuma aceitar que este contato seja feito, mas para aqueles que não aceitam, mesmo assim é de extrema importância que seja comunicado o que está ocorrendo para algum de seus responsáveis e com isto a quebra do sigilo aconteça (e a importância de sempre registrar em prontuário ou documentação este contato que foi feito). Entramos aqui em uma questão inclusive ética, onde temos em nosso código, no Artigo 27°, que a quebra do sigilo profissional está prevista para casos onde o (a) paciente encontra-se em risco ou oferece risco a terceiros, sendo considerado a falta desta comunicação como um comportamento anti-ético.

Claro, estas são algumas diretrizes que eu enquanto terapeuta sigo com base no repertório que fui desenvolvendo ao longo dos anos, mas saliento que a peça chave para a tomada de qualquer uma destas decisões acima, ou qualquer outra, esteja embasada na sua análise funcional do caso.

Referências:

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Código de Ética Profissional dos Psicólogos, Resolução n.º 10/05, 2005.

EMIDIO, L. A. S.; RIBEIRO, M. R. & DE-FARIAS, A. K. C. R. Terapia infantil e treino de pais em um caso de agressividade. Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2009, Vol. XI, no 2, 366-385.

MARINHO, M. L. A intervenção clínica comportamental com famílias. Em: SILVARES (org.). Estudos de caso em psicologia clínica comportamental infantil. Volume 1. Campinas, SP:Papirus, 2000.

Gessika N. Gimenez Hilgemberg

CRP: 08/19706

Categorias
Análise do Comportamento Clínica terapia de casais

Como nós, terapeutas, podemos ajudar os casais (ou nos ajudar) na pandemia?

por Carolina Perroni

A pandemia nos trouxe repentinamente muitas mudanças nas nossas vidas pessoais e nos atendimentos aos nossos clientes. Pessoas perderam emprego, entes queridos, qualidade de vida etc. Relacionamentos que antes podiam funcionar razoavelmente bem porque os dois indivíduos estavam envolvidos no mundo de maneiras diferentes, ou que em sua rotina mal se viam, de repente se depararam com uma realidade na qual passaram a compartilhar o mesmo espaço físico o tempo todo (às vezes em casas com apenas um cômodo). Não sei vocês, mas eu tive um aumento significativo na procura por atendimento de casais e imagino que os senhores do outro lado também. E era comum ouvir ao telefone: “Sabe Dra., a pandemia, né, a gente tá brigando muito.”

Sabe-se, por meio de muitas pesquisas empíricas, que ter um relacionamento amoroso bem-sucedido confere 15 anos a mais de vida para os membros do casal. Além disso, favorece a saúde, a resiliência e os filhos prosperam. Portanto, não só torna as pessoas mais saudáveis e mais ricas, como também é o segredo da longevidade.

Este texto então é para ajudá-los a melhorar a vida desses casais, sendo você terapeuta de casais ou não, entendendo que casais aqui é qualquer par que esteja se relacionando.

Quero apresentá-los a uma dupla de psicólogos pesquisadores que eu tive prazer de conhecer em um treinamento que fiz nos EUA e que me fizeram ficar apaixonada pela terapia de casal: John e Julie Gottman.

Tudo começou nos anos 70, quando os amigos Robert Levenson e John Gottman começaram a pesquisar como as pessoas se relacionavam. Diz a lenda que era para eles mesmos conseguirem ter bons relacionamentos também. Naquela época, havia muito livros sobre relacionamentos, mas quase nenhuma pesquisa relevante ou séria sobre o assunto. Em 1986, John Gottman e colegas montaram um Love Lab na Universidade de Indiana. Imaginem um Big Brother com casais recrutados para “viver” 24h sendo sistematicamente observados por pesquisadores. A instrução era: passem seus dias como se estivessem em suas casas. Seria exatamente como se estivessem em casa, exceto pelas medidas aferidas ao longo do dia e por terem que conversar sobre um assunto que adoravam e outro que fosse problemático. Para analisar a resposta imunológica ao nível de estresse foram utilizadas amostras de sangue e de urina, temperatura corporal, holters, câmeras etc.

O curioso é que Robert e John não haviam feito nada além de publicar os dados da pesquisa quando Julie, já casada com John, propôs usar a pesquisa para ajudar as pessoas a transformar seus relacionamentos uma vez que eles sabiam o que funciona ou não numa relação saudável.

De lá para cá, foram milhares de casais pesquisados em diferentes fases da vida, de recém-casados a aposentados, tendo o cuidado de incluir casais em situação de pobreza e do mesmo sexo. Foram 40 anos de pesquisas inovadoras sobre estabilidade conjugal e previsão de divórcio. Os dados acumulados foram conectados a ensinamentos práticos sobre resolução de conflitos, criação de conexões e sua percepção da existência dos casais Master e Disasters. Chamaram de Masters aqueles casais que permaneciam juntos e se consideravam felizes e que, quando brigavam, tinham cinco interações positivas para cada interação negativa, e de Disasters aqueles que se separavam ou viviam infelizes por longos anos sem conexão emocional.

E existem tipos de comunicação que acabam com qualquer felicidade. São: a crítica, a atitude defensiva, o desprezo e o desdém ou recusa em se comunicar, que foram apelidadas pelo autor carinhosamente como Cavaleiros do Apocalipse. Para quem não está familiarizado com os ensinamentos bíblicos, esses cavaleiros são aqueles que trazem peste, guerra, fome e morte.

Vamos começar com a crítica. Crítica é descrever uma falha na personalidade do cônjuge. Em vez de falar “Sinto-me chateado(a) com o fato de que a louça ficou suja ontem. Preciso da sua ajuda hoje para lavá-la”, a pessoa já inicia com “Você é tão preguiçoso(a). Toda vez que eu chego em casa a louça está suja”. Você, terapeuta, pode perceber isso rapidamente ao detectar “você sempre” ou “você nunca” na fala do cliente. A crítica descreve a falha de caráter do(a) parceiro(a) e não a situação.

Para se afastarem de um ataque percebido, as pessoas tendem a reagir, se proteger, defender sua inocência. Às vezes reagem contra-atacando ou devolvendo a culpa fazendo-se de vítima. Vamos voltar no exemplo da louça suja “Toda vez é isso, eu nunca sou bom(boa) o suficiente para você. Eu trabalho duro para pôr dinheiro nessa casa. Eu estou cansado(a), cansado(a), cansado(a)…”. Tudo ficaria mais fácil se o casal usasse este antídoto: aceitar a responsabilidade por pelo menos parte do problema. Exemplo: “Você tem razão. Ontem cheguei tão cansado(a) que não tive forças para lavar a louça, mas hoje faremos uma força-tarefa e tudo ficará limpo”.

Como desgraça pouca é bobagem, lá vem o desprezo. Desprezar alguém é colocar a pessoa para baixo, tomar um plano mais alto assumindo um nível moral mais elevado. Desprezo é qualquer declaração crítica que alguém faz quando se sente superior ao cônjuge. Exemplo: “sou melhor, mais inteligente, mais afetuoso(a), mais organizado(a), mais seguro(a), etc. que você”; ou ainda xingar, dar apelido, caçoar, imitar, rolar os olhos, cruzar os braços, bufar etc.  Exemplo: “Tudo o que você me pede eu faço, só que eu não posso contar com você”. Melhor aqui é usar o antídoto: descrever os sentimentos e necessidades e criar uma cultura de apreciação. Exemplo: “Eu realmente fiquei chateada ontem, me senti desrespeitado(a) com a louça suja. Sei que você teve muito trabalho ontem. Podemos lavar tudo hoje?” Atenção: desprezo é o maior preditor de divórcio. Para mais exemplos de desprezo, acesse o vídeo do Terça Insana “Senhor Merda e Esposa”. Dê muita risada e veja o que não fazer numa relação.

Desdém ou recusa em se comunicar é quando o ouvinte se retira da interação, ficando, porém, no mesmo lugar. Basicamente a pessoa não dá dicas se está ouvindo, por exemplo, olhando para o lado, não mantendo contato ocular ou cruzando os braços. Antídoto: a pessoa procura se acalmar (usando exercícios) e ficar conectado com a interação. Diz que precisa de uma pausa e volta no tempo combinado. Quem estiver esperando não deve ir atrás, mandar mensagem, ou ligar e sim esperar o tempo estipulado. Se o parceiro(a) não voltar, deve dizer: “Nosso tempo estipulado já passou. Você precisa de mais quantos minutos?”.

O casal de pesquisadores afirma que interações cotidianas positivas são tanto a causa quanto os efeitos de relacionamentos felizes. São as pequenas coisas positivas feitas com frequência que fazem a diferença. Ao longo do tempo pequenas mudanças podem concretizar grandes transformações.

Momentos conflitantes são boas oportunidades para conhecer o outro, aproveite o período de reclusão social para ajudar seus clientes a promover conexão emocional. Praticando as dicas acima eles podem “sair da pandemia” mais próximos, discutirão menos e por consequência se sentirão mais satisfeitos com o relacionamento.

Referências:

10 Principles for Doing Effective Couples (2015). Julie Schwartz Gottman e John M. Gottman. Editora W.W. Norton § Company.

Eight Dates: Essential Conversations for a Lifetime of Love (2019).  Julie Schwartz Gottman e John M. Gottman. Editora Workman Publishing Company.

Carolina Perroni

Psicóloga Analista do Comportamento, Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Supervisora dos residentes em Psiquiatria do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atende casais e adultos.