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Estabelecendo bons hábitos de escrita

Francisco Jacinto Junior

Se alguém vai até um nutricionista e pede bons hábitos alimentares, é necessário que o profissional vá analisar cada caso antes de passar algum tipo de intervenção. Claro que com a escrita, é a mesma coisa. Não há uma receita geral e mágica para se começar um estabelecimento de bons hábitos na escrita, todavia, eu prometo que vai ser mais fácil do que estabelecer uma dieta.

Primeiro, é preciso lembrar que escrever com grande frequência não significa escrever de maneira saudável. Para falar a verdade, escrever até a exaustão é uma variável apontada como facilitadora de bloqueios (Cruz, 2020; Silva, 2018). Assim como em qualquer atividade, alguns cuidados são necessários para que elas não tragam prejuízos. Como foi apontado em textos anteriores, a escrita está associada com uma série de contextos que trazem reações emocionais desagradáveis; além disso, a exposição à tela também pode nos prejudicar, uma postura equivocada pode nos trazer dores…

Preocupar-se com estabelecimento de bons hábitos da escrita não só podem prevenir estados de bloqueios, como também trazer uma maior qualidade de vida de quem escreve, principalmente, durante boa parte da vida.

  • A escolha do horário:

Não existe uma regra para a escolha do horário, no entanto, Silva (2018) recomenda que se escolha um horário em que se sinta descansada/descansado. Lembre-se, escrever é uma atividade complexa, e como tal, por vezes estar exausto pode não ser o melhor momento para começar a escrita.

Manter horários regulares e fixos também pode ser uma ferramenta importante para o estabelecimento de bons hábitos na escrita, já que facilita o processo de início. Pense nas coisas que costumamos fazer, elas geralmente atendem a um horário, a escrita, mesmo que breve, pode começar a ser uma dessas coisas.

Além do mais, a escolha de um horário diminui a chance da escrita entrar em concorrência com outras atividades, já que existe um horário estabelecido para isso. Isso pode ajudar a diminuir os pensamentos de “Ah, meu Deus, eu deveria estar escrevendo agora!”. Nos atendimentos, eu costumo falar que, quando não se estabelece uma hora para a escrita, parece que toda hora é hora de escrever. Alguém se reconheceu?

No texto anterior (link), eu trouxe uma pesquisa que é útil nesse momento: escrever regularmente, como aponta Boice (1990), não só faz com que se escreva mais como também aumentar a probabilidade de ter ideias que considera como criativas.

  • Sessões breves:

De acordo com Silva (2018) a crença de que precisamos de muito tempo para escrever é, possivelmente, uma das barreiras que dificultam nosso processo mais fluido na escrita. Aliás, na pesquisa de Boice (1982), encontrou-se que, quando os participantes escreviam por mais tempo do que o estabelecido, a sua produção tinha baixas no dia seguinte; Cruz (2020), por sua vez, aponta que chegar a exaustão é uma das coisas que podem prejudicar em nossa escrita.

Eu sei que o ideal, para nossa cabeça, seria passar horas a fio escrevendo, em sessão, costumo ouvir sempre meus clientes com grandes expectativas iniciais, sobre como depois das primeiras sessões irão passar horas escrevendo… É muito comum confundirmos expectativas como essas com metas iniciais. Esse tipo de armadilha é prejudicial pois acabamos por criar um ambiente mais propício para frustrações do que para o surgimento de uma escrita fluida e saudável.

Se está passando por dificuldades para começar ou se manter escrevendo, por que não começar por períodos breves? Experimente começar com quinze minutos ou vinte minutos por dia e ir adaptando com base em suas necessidades.

  • Escrever livremente primeiro, editar depois.

Este é um tópico que já apareceu em outros textos: ao escrever, evite se autocorrigir. Escrever e corrigir são comportamentos distintos, com funções distintas. Quando se está escrevendo, estamos materializando nossas ideias, é o momento em que o rio precisa fluir da maneira mais livre que conseguir.

Não se preocupe se alguma coisa está errada, seja palavra, informação, ou se você não sabe de cor a referência. Apenas escreva. No fim, você poderá retornar ao que escrever e se preocupar somente com a edição.

  • Autorrecompensas:

Essa é uma prática que tende a ser criticada por quem tem uma visão mais arraigada e romântica sobre a escrita. No entanto, se recompensar ao fim de cada sessão de escrita é extremamente útil em teve seus efeitos benéficos mostrados por Boice (1982). Escolha, ou oriente o seu cliente, a fazer coisas que gosta e que trazem prazer após o término das sessões.

Como a escrita geralmente está associada a uma série de contextos aversos, a presença de reforçadores positivos pode ser uma ferramenta importante para quebrar um pouco dessa relação. Além do mais, em casos onde fontes de reforçadoras são escassas, essa é uma forma de manter um padrão sendo reforçado. Outra coisa que geralmente costumo falar para meus clientes é: se você acabou de realizar uma ação que tinha muita dificuldade, por que não valorizar o passo dado?

  • Cuidados adicionais com a saúde:

Atividades repetitivas podem ser extremamente prejudiciais se realizadas de qualquer forma, como dito no início do texto, para nós escritores, é necessário também alguns cuidados adicionais com a saúde.

Devido a pandemia, muitas de nossas atividades migraram para o virtual, o que quer dizer que a quantidade de tempo que somos expostos a tela aumentou consideravelmente. Procure manter uma distância segura da tela, escrever em lugares claros e fazer pequenas pausas.

É importante, também, que tenhamos um cuidado com nossa postura. Procure uma posição confortável para escrever e que não traga prejuízos a longo prazo, se o plano for escrever durante muito tempo, experimente fazer alguns exercícios ou alongamentos.

Tratando-se de comportamento humano, é impossível falar que existe de fato uma receita especialmente para você ou para o seu cliente. Cada caso deve ser avaliado, embora os pontos citados acima são excelentes começos, principalmente em caso de dificuldades em iniciar ou manter uma escrita.

Experimentem e me contem como foi!

Referências:

Boice, R. (1982). Increasing the writing productivity of ‘blocked’academicians. Behaviour Research and Therapy, 20(3), 197-207.doi: 10.1016/0005-7967(82)90138-3

Boice, R; (1990). Professors as writers: A self-help guide to productive writing. Stillwater: New Forums Press.

Cruz, R. N. (2020). O Bloqueio da Escrita Acadêmica: caminhos para escrever com conforto e sentido. Belo Horizonte: Artesã.

Silvia, P. J. (2018). How to write a lot: A practical guide to productive academic writing. Washington: American Psychological Association.

Jacinto Junior – Psicólogo formado pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR – 2020). Escritor de Literatura e Co-Fundador do coletivo de Escritoras e Escritores Nordestinos: Oxe LGBT NE. Atua com processos clínicos e com atendimentos focados para a escrita.

Onde encontrar:

Instagram: @autorjacinto/ @projetoparnaso/ @oxelgbtne

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