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Análise do Comportamento Clínica Relações humanas

A importância da intermitência nos relacionamentos amorosos.

Bruna C. Pavani

De acordo com Martin e Pear (2009), uma dada classe de respostas pode ser reforçada em esquema de reforçamento contínuo – quando o reforço é produzido toda vez que o comportamento é emitido – ou intermitente – quando o comportamento ora é reforçado, ora não. Boa parte do nosso comportamento no cotidiano é reforçado intermitentemente; por exemplo, você só recebe seu salário quando trabalha por determinados dias e não depois de cada comportamento emitido no trabalho.

Tendo isso em vista, vamos imaginar duas situações:

João namora com Maria e Maurício namora com Cláudia.

Todos os dias João leva flores a Maria, já Maurício, leva de vez em quando flores a Cláudia.

Em um determinado dia, João se esqueceu de levar flores a Maria e Maria brigou com João. Mas como Maurício não leva sempre flores a Cláudia, quando ele leva, Cláudia se surpreende.

Agora, vamos fazer uma análise funcional disso:

Tabela 1. Relacionamento de João e Maria:

Resposta de MariaConsequênciaFunção da consequência para MariaAções de Maria
Aproximar-se de JoãoJoão leva flores  . Evidência de afeto (Maria sente-se amada SR+);
. Diminuição de eventual privação afetiva (SR-).
. Maria se comporta em função da apresentação do reforçador;
. Manutenção da relação em esquema de reforçamento contínuo.
Aproximar-se de JoãoJoão esquece de levar as flores. Retirada da evidência de afeto (Extinção);
. Como o esquema é de reforçamento contínuo, a experiência de Maria é de retirada do reforçador (seu comportamento de aproximar-se de João não foi reforçado com flores nessa ocasião.
. Maria se comporta em função da retirada do que era reforçador a ela;
. Brigas ocasionais Questionamentos sobre o relacionamento Afastamento de Maria em médio prazo.
Sr+ = Reforço positivo; Sr- = Reforço negativo; P+= Punição positiva; P-= Punição Negativa

Tabela 2. Relacionamento Maurício e Cláudia:

Resposta de CláudiaAntecedentesFunção para CláudiaAções de Cláudia
Aproximar-se de MaurícioMaurício encontra Cláudia e apresenta demonstrações de afeto variadas.  . As ações diversas de Maurício provêem evidências de afeto;
. Diminuição de eventual privação afetiva de ambos (Sr-) 
. Por se tratar de um esquema de reforçamento intermitente, a ausência das flores, não é vivida como “retirada” de algo.  
. Cláudia se comporta em função da apresentação dos reforçadores.  
Aproximar-se de MaurícioNa presença da namorada, Maurício leva flores em momentos inesperados.  . Cláudia “se surpreende” quando recebe as flores (Sr+ – por ser um evento pouco frequente, a apresentação das flores é vivida como “novidade”, e encontro é somado ao evento “receber flores”.). Cláudia se comporta em função do que Maurício adiciona ao relacionamento;
. A apresentação das flores contribui para a manutenção do comportamento em esquema de reforço intermitente.
Sr+ = Reforço positivo; Sr- = Reforço negativo

João reforçava continuamente o comportamento de Maria ao vê-la, levando flores. Quando ele deixou de levar a flor, Maria estranhou e discutiu com ele, pois este não era um comportamento esperado de João. A retirada do reforçador em um esquema de reforçamento contínuo estabelece uma condição de extinção – nesse caso, o comportamento de Maria de se aproximar de João é que deixa de ser reforçado com flores. E é aí que está a diferença entre as duas situações… quando o comportamento é reforçado continuamente, ele é menos resistente à extinção e, logo que o reforço é retirado, já fica evidente a falta do reforçador e a “falha” no esquema.

Cláudia, por sua vez, como Maurício lhe levava flores apenas eventualmente, aprendeu a esperar pelo reforçamento – ou seja, seu comportamento se tornou mais resistente à extinção. Assim, na ausência do reforço não há conflitos em seu relacionamento, pois a “novidade” na situação é a apresentação do reforçador, e não a sua retirada. Isso se dá porque Cláudia está exposta a um esquema de reforçamento intermitente.

Podemos pensar em outros reforçadores existentes nas relações amorosas, que, quando deixam de existir, ou diminuem de frequência, podem causar atritos, tais como: ligações, mensagens, presentes etc. Troquem as flores desse exemplo por responder mensagens, por exemplo… se você costuma responder imediatamente em toda ocasião, estabelece um padrão de reforçamento contínuo. Dessa forma, a partir do momento que você não responde imediatamente, isso pode gerar um atrito. Por outro lado, se de vez em quando você responde rápido e de vez em quando não, a pessoa já espera isso de você.

É comum que essas mudanças no esquema de reforçamento ocorram gradativamente. No início de uma relação, a novidade é uma operação motivadora (OM – aquela que, momentaneamente, altera a efetividade reforçadora de um estímulo) poderosa e, movidos por essa operação motivadora, tendemos a dar atenção ao parceiro em esquema quase contínuo. Com o tempo de convivência uma nova operação motivadora começa a agir, que é a estabilidade na relação de afeto, ao mesmo tempo que a OM “novidade” começa a diminuir. Em função dessas mudanças, tendemos a confiar na relação de afeto, e temos menos necessidade de responder continuamente. Essa mudança pode ser sentida por alguns como ameaçadora, gerando insegurança, cobranças e brigas. Se essas mudanças se estabelecem de maneira abrupta, o conflito é quase certo.

Para quem trabalha com casais ou mesmo quando se discutem relações amorosas na psicoterapia individual, pensar sobre o impacto desse esquemas de reforçamento sobre o relacionamento é fundamental.

Martin, G. e Pear, J. (2009). Modificação de comportamento. O que é e como fazer. Trad. Noreen Campbell de Aguirre; revisão cientifica Hélio José Guilhardi. São Paulo: Roca. 8° ed. pp. 89

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