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O que vem depois do começo?

Lidianne Queiroz

Uma vez que a pessoa passa a ser sua cliente, você mergulha ainda mais profundamente no movimento de guiá-la pela jornada em busca de autoconhecimento e amadurecimento. Lembre-se que essa pessoa, agora sua cliente, está com dores, com medos, desconfianças de que a terapia possa ser algo que dê resultado e principalmente: ela está diante de uma desconhecida e precisa revelar todos os seus fantasmas, suas culpas e suas vergonhas. Eu sei que parece óbvio, mas entender e aceitar que a pessoa que está à sua frente já está travando uma batalha consigo apenas pelo fato de estar à sua frente é crucial para respeitar o tempo dela. Entender e aceitar que sua cliente não está ali para seguir a sua cartilha e corresponder às suas expectativas enquanto terapeuta pode ser libertador e sem dúvidas menos frustrante para você.

Eu abordo esse assunto por saber que nós estudamos sós ou em grupos, fazemos cursos, supervisões, mentorias e outras tantas atividades de aprendizagem. Todas nos ensinam um passo a passo de como agir enquanto psicoterapeutas, alguns dizem inclusive o número de sessão que devemos dedicar para cada etapa. E isso é ótimo! Desde que seja usada apenas como guia, e nada mais. Digo isso porque em muitos casos estamos tão focadas em preencher um checklist para apresentar para a nossa supervisora ou para nos satisfazer, que deixamos a cliente em segundo plano e com isso nos frustramos porque “as coisas não estão dando certo”.

Sempre falo para os meus supervisionandos e até para mim mesma: quando a cliente estiver na sua frente foque única e exclusivamente nela e em nada mais. Não fique repassando em sua cabeça as coisas que você estudou e que precisa aplicar ou as orientações que você anotou em algum lugar, mas que agora não lembra direito. O que você aprendeu, aprendeu e o que não aprendeu, não é hora de aprender. A hora agora é de ouvir e olhar para ela com toda a sua concentração e usar seu conhecimento que já foi adquirido para intervir quando necessário. Porém, mas importante, na minha opinião, do que usar uma técnica nova é você se entregar para aquele momento, se esforçar para “entrar” no mundo daquela pessoa e enxergar através dos olhos dela. Quando isso acontece, você consegue sentir a dor que ela tá sentido, o desespero que ela possa estar sentindo e nesse momento você acolhe com o seu corpo inteiro e não apenas com palavras do tipo “eu sinto muito” ou “eu compreendo”, essas palavras quando são ditas apenas por protocolo, são percebidas pela cliente e a afastam.

Lembre-se: vocês estão iniciando uma jornada juntas, precisam se conhecer, precisam criar laços de confiança, precisam vincular. Eu sei que você sabe disso, toda estudante de psicologia sabe disso, “criar vínculo com a paciente”, “ser boa de ouvir”, “gostar de ajudar” ou como dizem a maioria das estudantes do primeiro semestre: “eu sempre fui meio psicóloga da minha família e das minhas amigas”. Estas falas, apesar de serem verdadeiras, não te ensinam a ser uma terapeuta competente e sabe por quê? Todas essas experiências que você teve antes de estudar psicologia te mostra que você é sensíveis ao sofrimento mental da humanidade ou mais especialmente dos seus conhecidos.

Entretanto, antes de você escolher psicologia como profissão, antes de cursar uma faculdade, você já é alguém que carrega junto de si os seus conselhos, as suas verdades, os seus julgamentos e todo o enviesamento de análise que são adquiridos na cultura a qual você faz parte. Durante o curso aprende-se (ou deveria) a desenvolver uma postura não julgadora, a entender da diversidade humana e a lição principal: o que é certo ou valoroso para você dificilmente será igual para a sua cliente. E é por isso, que você deve dedicar um tempo (o quanto for necessário) no começo do processo terapêutico para entender e desenvolver compaixão pela pessoa que está à sua frente.

Cada informação que ela lhe entrega em terapia é uma peça de um quebra-cabeça e todo esse conjunto de pecinhas/informações formam uma imagem mesmo que incompleta, do que essa pessoa está sentindo, pensando e vivendo. E este deve ser o tempo que você usa para formar/fortalecer o vínculo com ela. Esse período lhe ajudou a formular as primeiras hipóteses, fazer as primeiras análises funcionais e identificar quais comportamentos precisam ser ensinados e/ou estimulados e quais precisam reduzir de frequência ou até serrem colocados em extinção. Você conseguiu fazer uma formulação de caso. É claro que esses passos precisarão ser revistos com frequência, mas o tempo em que vocês estavam “se conhecendo” te ajudou a enxergar quais devem ser seus passos, quais intervenções você precisa fazer, o que você precisa estudar mais.

Ótimo não é mesmo? Agora releia o primeiro parágrafo. Ter essas análises em mãos, ter criado um checklist das próximas intervenções não devem gerar em você a expectativa de sucesso, pois esta expectativa pode lhe levar a incontáveis frustrações e desmotivações. Talvez até a pensamentos de que você não é uma terapeuta competente. Lembre-se de que a cliente tem e deve ter sempre autonomia sobre as suas próprias escolhas, vai conseguir ou não realizar as mudanças em sua vida no seu próprio tempo. Esteja lá para segurar a mão dela, mas jamais para tomar a vacina por ela (desculpem, não resisti).

Nota da autora: se você achou estranho o uso de termos femininos na maior parte do texto, me chama pra conversar no @liddiqueiroz.

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