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Clínica Relações humanas

O Começo

Lidianne Queiroz

No meu texto anterior falei sobre sermos ponte entre o cliente e a sua vida valorosa. Gosto bastante de usar metáforas para explicar contextos ou situações que eu considero complexas. E não me parece simples e muito menos linear a compreensão sobre o trabalho do terapeuta. Digo isso porque volta e meia ouço afirmações como “a minha terapia é a academia”, “o que você precisa é conversar com seu líder religioso”, “peça a Deus e ele vai te ajudar”, “vá ler um livro, assistir um filme” ou “vá ao salão que melhora sua autoestima”. Entenda que aqui não estou fazendo julgamento sobre a prática de atividades ou ações com finalidade terapêutica. A minha análise reside na ausência de clareza sobre o quão eficaz pode ser o trabalho do terapeuta.

Nesse sentido, perceber o terapeuta como ponte é um passo importante no processo terapêutico. Quanto mais eu penso nas formas e funções de uma ponte mais eu associo com o trabalho do psicólogo. Ora veja:

uma ponte não atravessa, ela é meio de travessia;

a escolha de fazer a passagem é do outro, não da ponte;

ela pode oferecer segurança, uma bela vista,

uma arquitetura moderna

e ainda assim o trabalho de atravessar

é do passante, não da ponte.

Eu percebo o terapeuta da mesma forma. Ele pode ter um espaço de atendimento moderno e arrojado, aconchegante e arejado. Ele pode ter uma estante repleta de livros, certificados e diplomas espalhados pela parede, mas se ele não se horizontalizar como uma ponte, o cliente não irá trilhar o caminho esperado. Essa horizontalidade, para mim, é o ponto chave que deve nortear o terapeuta nas suas ações. É preciso propagar a mensagem de que psicólogos não são detentores da verdade e muito menos da razão. Que não temos uma caixinha com todas as respostas e muito menos com as receitas da felicidade. Nós, terapeutas, sofremos, erramos, nos sentimos inseguros, expostos e muitas vezes insuficientes. Porém, fomos ensinados a não mostrar nossas incertezas aos nossos clientes e muito menos aos nossos colegas de profissão.

Entenda, não estou orientando que você exponha todas as suas questões para o seu cliente, faça isso com o seu terapeuta! O que eu estou argumentando é que precisamos transmitir a mensagem de que somos humanos e assim como qualquer outro nos distraímos durante um diálogo, ficamos indecisos sobre qual direção tomar e… tudo bem. O que realmente importa é que você esteja comprometido assim como seu cliente com o processo terapêutico. Percebo, em minha experiência e pelas leituras sobre terapias contextuais, que quando a condução ocorre dessa forma, a vinculação é muito mais poderosa e duradoura, com alta probabilidade de bons resultados.

Entretanto, quero chamar atenção para o antes. Aquele espaço temporal em que a pessoa ainda não se tornou seu cliente. Essa pessoa precisa perceber você como alguém capaz de ajudá-la a sair da condição de sofrimento. A transmissão dessa mensagem deve ocorrer de várias maneiras. Através da sua comunicação tanto nos meios digitais como off-line. Em suas aulas, palestras e/ou ações comunitárias você pode apresentar uma conduta não julgadora, acolhedora e disponível para ser suporte de passagem de uma vida de dor para uma vida de valor. Gosto de associar esse trabalho prévio com a imagem de um guia. Alguém que segura a mão de uma pessoa e a conduz, nesse caso, para o início de um processo terapêutico. Ao mesmo tempo guia, desarma, desmonta e oferece segurança.

 É importante se sentir seguro num ambiente em que as dores serão expostas, analisadas e com grande potencial de serem curadas. Então, tendo em vista que eu devo me comportar primeiro como guia e depois como ponte, faço a seguinte reflexão enquanto terapeuta: Que mensagem eu estou passando? Meu consultório (virtual ou presencial) acolhe ou repele? Minhas falas aproximam ou afastam? Minhas roupas convidam ao diálogo ou silenciam? Estou sempre me revisitando e convido você a fazer o mesmo.

Ficar atento a como o ambiente responde ao nosso comportamento é fundamental para receber as respostas às perguntas acima. Chamo atenção para esse fator pois percebo que nos tornamos mais e mais polarizados e julgadores de conduta social nos dias atuais. Pare uns instantes antes de se engajar na próxima atividade e descubra quais respostas você irá encontrar.

Referências

Abreu-Rodrigues, J. & Ribeiro, M. R. (2005). Análise do comportamento: pesquisa, teoria e aplicação. Porto Alegre, RS: Artmed.

Moreira, M.B. & Medeiros, C. A (2007). Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed

Skinner, B.F. (2003). Ciência e comportamento humano. Trad Joao Claudio Todorov e Rodolfo Azzi. 10ªed São Paulo: Martins Fontes

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