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Clínica Relações humanas

Sobre resistir à terapia

Lidianne Queiroz

Depois de algum tempo diante de uma folha em branco lutando para começar a escrever, decidi digitar “livremente” o que “eu estava pensando”. Em outras palavras, escrever sob controle de antecedentes que sinalizem acesso a consequências positiva e negativamente reforçadoras simultaneamente. E assim eu fiz! Obviamente, após escrever e reescrever incontáveis vezes, enviei para que “fontes seguras” avaliassem e emitissem uma opinião. Em seguida, encaminhei para a “revisão final” e depois de aprovado foi liberado para que você estivesse lendo neste exato momento um texto do qual eu me orgulho e tenho o prazer de divulgar.

A despeito dessa história com “final feliz”, gostaria de me ater à pessoa que estava encarando a tela do computador sem conseguir escrever e com dúvidas se conseguiria ou não organizar um raciocínio que fizesse sentido suficiente para ser divulgado como texto. Esta pessoa não sabia o que fazer e é sobre ela que eu quero conversar com você. Todos nós passamos por momentos como este. Às vezes a questão é de ordem prática e de solução mais tangível, tal como decidir se muda ou não de casa ou escolher qual curso superior fazer. Entretanto, existem questões que são um pouco mais complexas, exigem mais atenção e a solução não é aparente. Estou falando de temas tais como sensação de inadequação social ou não pertencimento, baixa autoestima, carência afetiva, preocupação excessiva com os eventos futuros, ausência de interesse em atividades que antes lhe animavam e por aí vai. A lista é longa.

Eu e você sabemos que para as questões citadas acima a indicação mais adequada é que a pessoa faça terapia. Porém, o que vemos em nossa sociedade é uma resistência significativa em perceber o processo terapêutico como sendo eficaz, necessário e o que tem maior probabilidade de promover mudanças duradouras na sua qualidade de vida. Tão óbvio não é mesmo? Então eu me pergunto, por que as pessoas em sua esmagadora maioria são tão resistentes à fazer terapia? Para nós psicólogas, as respostas são velhas companheiras: “eu não preciso”, “eu não sou maluca” ou “eu não tenho problemas” e “eu consigo resolver sozinho”. É claro que existem várias outras, mas estas são as que mais me recordo agora.

Enquanto eu estava divagando sobre esta resistência fiz uma associação com o que estava me travando e me fazendo desistir de escrever este texto. As palavras que vieram foram “isso é muito ansiogênico”, “eu não tenho nada de interessante para falar”, “não vou dizer nada que alguém mais competente não o tenha feito melhor e com mais eficácia” e a vontade de abandonar o projeto foi enorme. Entretanto, mesmo sendo uma sensação desagradável e com a possibilidade de resolução imediata – pois bastava comunicar ao editor que não teria condições de cumprir com a tarefa a que me comprometi (fuga) -, eu encontrei uma palavra que resume a explosão que acontecia no meu corpo: vulnerabilidade!

            Sim! Claro! Eu estava com medo de me vulnerabilizar. Mesmo tendo as credenciais que eu julgo necessárias para escrever tal texto, não me senti segura em me expor, afinal de contas não quero ser incompreendida, ridicularizada ou criticada pelos meus pares. Pares? Talvez eu esteja mais próxima da questão que me “trava”. Vejo grande parte da nossa área (Analistas do Comportamento) emitindo comportamentos poucos flexíveis para formas menos catedráticas de se comunicar. Mesmo este sendo um tema que se debate nas coxias, muito pouco é falado em meios oficiais. O que, em parte, colabora com a percepção que eu tenho da nossa comunidade.

            Acredito que aqui eu atingi o x da questão. A minha dificuldade em escrever reside no fato de não me sentir em par de igualdade a quem possa ler esse texto e isso me trava, fico receosa em não ser acolhida, aceita e permanecer com o problema que me incomoda: não conseguir escrever.

De modo semelhante, uma pessoa com questões de ordem psicológica pode não identificar na terapeuta um par que possa ser verdadeiramente fonte de ajuda, suporte e melhora. Em parte, porque somos ineficientes em comunicar ao público leigo o que de fato fazemos e o que se pode esperar ao ser acompanhado por nós. E quando comunicamos, observo que nos colocamos dentro de uma redoma de segurança, passando a imagem de que terapeutas não tem problemas pessoais, ou se tem são tranquilamente resolvidos.

Nos esforçamos muito em não deixar transparecer a nossa vulnerabilidade com receio de que isso reflita incompetência profissional, mas o que não percebemos é que o efeito, em minha opinião, é oposto. Nos distanciamos do que nos torna pares daquela pessoa que precisa acreditar que encontrará em nós alguém que assim como ela tem problemas, sofre, mas consegue seguir em frente pois entende a importância de se vulnerabilizar. Porque o que nós já aprendemos (assim eu espero) é que o resultado de um processo de vulnerabilização bem conduzido seja a percepção de que viver precisa estar de acordo com o que é valoroso para nós.

Se o meu raciocínio faz sentido, então nós terapeutas precisamos desenvolver ferramentas e/ou habilidades que desmistifiquem o nosso posto. Nosso foco deve ser transmitir a ideia de que somos parte da solução. E desde a nossa primeira exposição (presencial e virtual) devemos nos dedicar a ser ponte entre o individuo e a sua vida valorosa. Uma vez que o outro enxerga em nós um par, acredito que o caminho até o começo da terapia seja menos árduo e com menos defesas.

Referências

Abreu-Rodrigues, J. & Ribeiro, M. R. (2005). Análise do comportamento: pesquisa, teoria e aplicação. Porto Alegre, RS: Artmed.

Moreira, M.B. & Medeiros, C. A (2007). Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed

Skinner, B.F. (2003). Ciência e comportamento humano. Trad Joao Claudio Todorov e Rodolfo Azzi. 10ªed São Paulo: Martins Fontes

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Questões sociais

De que forma podemos viver nossas vidas para deixarmos um mundo melhor para as futuras gerações?

Felipe Lustosa Leite

Este é o primeiro de uma série de textos que estarei escrevendo para a Equipe DiadeLab, nos quais buscarei fazer reflexões sobre nosso papel enquanto analistas do comportamento para construir sociedades mais saudáveis e sustentáveis. Sei que a proposta é ambiciosa, mas não tenho a intenção de trazer verdades ou soluções definitivas. Meu objetivo é fazer com que os leitores parem, olhem para si mesmos, para como vivem suas vidas, para aquilo que entendem ser um(a) analista do comportamento, e explorem os limites e fronteiras de nossas possibilidades de ação. Espero que tenhamos uma jornada cheia de aventuras, pensamentos perturbadores e ideias para trazer mais sorrisos para este pálido ponto azul.

Mas enfim, então, o que significa viver uma vida a partir da qual deixamos de herança algumas coisas legais e construtivas para quem ainda habitará este planeta? Podemos ir para várias direções com essa discussão, desde argumentos espirituais a discussões sobre ética. No entanto, dada minha trajetória enquanto analista comportamental da cultura, meu percurso reflexivo se dará majoritariamente por esse campo de investigação e áreas tangentes, como sociologia, economia, antropologia, dentre outras. Para quem já me conhece, parece óbvio que parto de uma discussão da qual gosto bastante, e que foi lançada por um biólogo chamado Garret Hardin.

No clássico artigo The Tragedy of the Commons, Hardin (1968) discute um dilema resultante da ênfase prioritária no bem do indivíduo em detrimento do bem coletivo. Imagine que você e mais um grupo de vinte pessoas vivem em uma área rural e criam gado em um pasto coletivo. O pasto é coletivo, mas cada vaca é considerada propriedade privada. O pasto é o que chamamos de commons. Vocês tiram seu sustento do seu gado, que vive e se alimenta no pasto coletivo. Desse modo, o desenvolvimento saudável do seu gado depende do consumo de recursos coletivos (do pasto). No entanto, qualquer renda que você consiga extrair do seu gado é unicamente sua. Esse cenário implica em contingências sociais que operam do seguinte modo: (i) criar gado é uma atividade que vem a produzir consequências reforçadoras, acessadas pelo indivíduo; (ii) criar gado também leva a uma consequência aversiva, a redução de recursos do pasto, o que demanda custos com manutenção e cuidados; (iii) nota-se que, enquanto as consequências reforçadoras são desfrutadas pelo indivíduo, as aversivas são distribuídas pelo grupo. Bem, eu posso facilmente maximizar meus ganhos aumentando a quantidade de gado que crio e outros provavelmente me seguirão nesse caminho.

Mas, bem, não devemos perder de vista que quanto mais gado há no pasto, mais rápido ele se deteriora e, com isso, maiores são os custos para manutenção e cuidados. Aqui chegamos a uma clássica situação de esquemas concorrentes. Por um lado, se respondo de modo a maximizar minha criação de gado, eu produção mais lucro para mim, e sem muita demora, mas “pressionar essa barra” cria um problema que é compartilhado por todos. Eu levo os benefícios só para mim, mas divido as batatas quentes. Por outro lado, posso responder de modo a criar uma quantidade de gado mínimo para minha subsistência, de modo que dê fôlego para o pasto se renovar naturalmente, reduzindo assim a magnitude das consequências reforçadoras possíveis, mas também reduzindo o prejuízo coletivo. E aí, qual a escolha mais provável?

Tomando como base uma vasta literatura experimental, tanto analítico-comportamental como de outros campos, tudo indica que a escolha mais provável é direcionar suas energias para se tornar um “Rei do Gado” e não se preocupar muito com o destino do pasto, afinal, não tem outros que cuidarão dele também? Mas poucos notam um detalhe simples, brutalmente relevante, mas que parece estúpido quando falamos em voz alta. Uma vez que praticamente todos os participantes desse universo de pesquisa mencionado são crias das sociedades ocidentais modernas (ou de culturas influenciadas por valores amplamente desenvolvidos na Europa Ocidental), é natural que essas pessoas se enxerguem prioritariamente como um “eu”, e esse “eu” tem mais valor do que o “nós” para as pessoas criadas nesse modelo cultural. Opa… mas de onde vem isso?

Os valores derivados de sociedades ocidentais modernas – e que se espalharam pelo mundo – não são características “naturais” do ser humano. O homo sapiens é um animal cuja característica mais marcante é sua sociabilidade. Nossa capacidade de organização social talvez tenha sido o elemento mais marcante para o nosso sucesso evolutivo (cabe notar que nosso refinamento em nos organizarmos socialmente é o que deu espaço para o desenvolvimento da mais notória prática cultural humana, a linguagem). Somos seres absurdamente dependentes uns dos outros, mas nos enxergarmos como indivíduos autônomos, independentes, com pensamentos próprios, vontades próprias e donos do nosso próprio destino. No entanto, não devemos perder de vista que essa visão de homem é uma invenção cultural – uma invenção que está cobrando seu preço nos dias atuais.

No texto seguinte desta série irei expor como ocorreu a invenção do conceito de indivíduo moderno, de modo que se possa refletir de que maneira podemos nos ver no mundo de outro modo: como partes integrais de um todo social; como seres interdependentes uns dos outros; não como centros do universo, mas como grãos da poeira estelar que o compõe.

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Clínica Relações humanas

O que uma torneira pode te ensinar sobre relacionamentos?

Bruna Catarina Pavani

Dentro da prática clínica, podemos utilizar de diversos recursos para auxiliar nossos clientes e um destes recursos, é a metáfora.

O uso de metáforas pode se tornar um procedimento para desenvolver autoconhecimento, ser um Sd, realizar analises funcionais, facilitar o relato de clientes ou ser modelos de como se expressar. Vejamos um exemplo:

Imaginemos que a nossa meta de vida é enchermos uma piscina…, mas não estamos falando de qualquer piscina e sim da nossa piscina de reforçadores da vida.

Se você fosse encher uma piscina de 1000l com apenas uma torneira, quanto tempo você levaria? Nem precisamos entender tanto de matemática para avaliarmos que levaria um bom tempo até encher, né?

Agora imagine que você possui várias torneiras: além de poder encher a piscina mais rápido, você não vai esgotar totalmente a capacidade da torneira, ou seja, se faltar água em uma, terá em outra e estará tudo bem!

Quando pensamos em relacionamentos, principalmente no início de uma relação amorosa, é notável o quanto ficamos mais disponíveis para nosso(a) companheiro, ficamos tão disponíveis que muitas vezes, esquecemos de outras relações/atividades que são tão importantes quanto.

Porém, com o passar do tempo da relação, é natural que o nível de atenção que você recebia antes, você deixa de receber depois de um tempo, o que não é nada confortável para quem ainda possui a necessidade de receber aquela atenção…

Podemos imaginar que, teu parceiro(a), seria a torneira principal que enche sua piscina (reforçador de alta magnitude) mas, quando ele(a), está em outra atividade, é como se essa torneira estivesse fechada para você e por isso é importante termos outras torneiras abertas e quando falo de outras torneiras, não necessariamente falo sobre outros relacionamentos amorosos, mas sim, outras atividades que são tão reforçadoras quanto; e essas atividades podem ser: conversar com amigos, assistir algo, passar um tempo sozinha, praticar alguma atividade, ou algo que você perceba que seja reforçador a você.

De acordo com Skinner (2003):

 ‘’ a única maneira de dizer se um dado evento é reforçador ou não para um dado organismo sob dadas condições é fazer um teste direto. Observamos a frequência de uma resposta selecionada, depois tornamos um evento a ela contingente e observamos qualquer mudança na frequência. Se houver mudança, classificamos o evento como reforçador para o organismo. (p.80)’’

         Algumas pessoas possuem dificuldades em saber do que gostam de fazer e por isso, há a necessidade de fazer testes e avaliar o que é reforçador e o que não é, isso chamamos de variabilidade comportamental. Quando variamos nossos comportamentos, temos a possibilidade de criar novas habilidades comportamentais!

Alguns autores (Doughty, Giorno & Miller, 2013; Neuringer, 2015 mencionados por Leite e Micheletto, 2020) em seus estudos experimentais, concluem que a variabilidade comportamental pode ser modificável de acordo com o reforçamento.

Para entendermos o porquê e como as pessoas fazem ou deixam de fazer escolhas vamos nos referir aos esquemas concorrentes (Moreira e Medeiros, 2008).  Para estes autores, nos deparamos com esquemas concorrentes quando temos duas ou mais fontes de reforço disponíveis ao mesmo tempo, sendo que, um esquema de reforço não depende do outro, por exemplo: ir ao cinema com o namorado ou ir fazer a unha na manicure.

Com isso, podemos concluir que a nossa variação comportamental pode ser reforçada tanto positivamente (ex: Comer algo gostoso pois é prazeroso), como negativamente (ex: Deixar de ir a casa da sogra, pois não se sente confortável lá), permitindo que, a pessoa não fique dependente de apenas um único reforçador.

Para nós, analistas do comportamento, é desejável que nosso cliente tenha contato com várias fontes de reforços, já que isso produz um bem estar mais duradouro do que ter uma fonte só. Assim, diante de uma situação de extinção de determinado reforçador, o cliente teria possibilidades de manter contato com reforçadores alternativos.

Referências

Leite, Emerson Ferreira da Costa, & Micheletto, Nilza. (2020). Reforçamento da variabilidade comportamental na resolução de problemas. Arquivos Brasileiros de Psicologia72(1), 204-220. https://dx.doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2020v72i2p.204-220

Moreira, M.B. e Medeiros, C. A (2007). Princípios básicos de analise do comportamento. Porto Alegre: Artmed pp. 133

Skinner, B.F. (2003). Ciência e comportamento humano. Trad Joao Claudio Todorov e Rodolfo Azzi. 10ªed São Paulo: Martins Fontes pp. 80