Como analistas do comportamento, sabemos da importância de uma boa análise funcional e com isso precisamos levar em consideração o tipo de comportamento que estaremos analisando e a sua função, afinal, um mesmo comportamento pode ter diferentes funções.
Podemos definir topografia como sendo a descrição de um comportamento com base na sua forma ou estrutura. (MOREIRA e MEDEIROS, 2007)
Quando lidamos com casos de relacionamentos abusivos a atenção para as funções dos comportamentos dos cônjuges deve ser redobrada, pois isso pode ser a manutenção do comportamento da vítima para a permanência neste relacionamento.
Vejamos a seguir:
SITUAÇÃO
TOPOGRAFIA DO COMPORTAMENTO
FUNÇÃO NO RELACIONAMENTO ABUSIVO
Maria toma decisões contrarias de José.
‘’Só quero cuidar de você’’
Controle, Manipulação
Maria diz que quer aprender a trocar pneu.
‘’Deixa que eu faço isso para você’’ ‘’Para que você quer aprender se você tem eu?’’
Diminuição de autoconfiança da namorada
Após uma discussão
Dar um presente
Manipulação
José perde a hora para o trabalho
‘’A culpa é sua! Se você não ficasse me obrigando a conversar com você até mais tarde isso não aconteceria’’
Desresponsabilização
Início de relacionamento/após uma briga
‘’Você é minha!’’
Posse, necessidade de autoafirmação
Maria diz que irá se encontrar com uma amiga
‘’Não confio nela’’
Manipulação, Isolamento Social
Maria emite um comportamento contrário ao que o José espera.
Tratamento de gelo, silêncio
Punição, controle, manipulação
Quando José percebe que está perdendo a atenção da namorada.
José chora
Evocar pena, manipulação
Os mesmos comportamentos podem ser vistos em um relacionamento, mas não necessariamente terá a mesma função, para isso, é importante que avaliemos o antecedente no qual a resposta foi emitida:
SITUAÇÃO
TOPOGRAFIA DO COMPORTAMENTO
FUNÇÃO
Maria está doente.
‘’Só quero cuidar de você’’
Cuidado, carinho
Maria está com dificuldade para realizar uma atividade
‘’Deixa que eu faço isso para você’’
Companheirismo
Em uma data especial
Dar um presente
Demonstração de afeto
Maria conta uma situação desconfortável com uma colega
‘’Não confio nela’’
Alertar
Em uma situação desagradável
José chora
Necessidade de cuidado, demonstração de sentimentos
O que acontece nos casos de relacionamentos abusivos é que há uma generalização das funções e as pessoas interpretam todas as topografias como tendo a mesma função e uma das funções do psicoterapeuta será de discriminar isso com o seu cliente.
Moreira, M. B., & Medeiros, C. A. (2007). Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed.
Jacinto Junior — Pós-graduando em Sexualidade Humana pela CBI of Miami
Já parou para pensar que uma orientação sexual, ou identidade sexual, é uma nomeação, uma categoria, um grupo, e não uma explicação para comportamentos sexuais? Então, é justamente sobre isso que gostaria de conversar com vocês.
Tudo bem, eu sinto que o tema pode ser polêmico, e por essa razão, quero começar de uma maneira clara e sucinta, para que não haja equívocos posteriores: ao falar que não é uma explicação, não quero nem de longe dizer que não exista ou que não vá entrar como parte de uma análise, contudo, ela em si, por si, não informa muita coisa sobre o episódio sexual.
Ao falarmos de orientação sexual, estamos nos referindo à tendência de um indivíduo na interação afetiva ou sexual com parceiros. Sim, não se espante com a palavra tendência, pois uma grande porcentagem de indivíduos engajam-se ou já se engajaram afetivamente, sexualmente ou através de fantasias com diversos gêneros (Rönspies et al, 2015). Esse dado não é novo, na verdade, estudos produzidos por Kinsey, em 1947, demonstraram que mesmo indivíduos que se identificaram como heterossexuais e homossexuais apresentaram interações sexuais ou afetivas ou fantasiado sobre ter relações com parceiros de um gênero diferente do “condizente” com sua orientação sexual.
A partir de entrevistas realizadas com os participantes de sua pesquisa, Kinsey estruturou uma escala de 0 a 6, em que: 0 – exclusivamente heterossexuais; 1 – heterossexuais com raras relações homossexuais; 2 – heterossexuais com frequentes relações homossexuais; 3 – bissexuais, relações igualmente heterossexuais e homossexuais; 4 – homossexuais com frequentes relações heterossexuais; 5 – homossexuais com raras relações heterossexuais; e 6 – exclusivamente homossexuais.
Há muitas críticas levantadas acerca dessa escala, atualmente, principalmente no que diz respeito ao binarismo das relações, todavia tais dados apontam que: a) apenas alguns indivíduos são exclusivamente heterossexuais ou homossexuais; e b) a sexualidade não é um constructo fechado, impassível de mudança, pois se observa que, em diversas fases da vida, indivíduos podem se engajar em relações com parceiros de gênero diferente do esperado em face de sua orientação autodeclarada, provocando uma mudança nessa classificação.
Um outro exercício rápido que costumo fazer com quem converso é o seguinte: pense em sua orientação sexual, agora me responda: ao escolher um parceiro você está pensando apenas no gênero? Quero dizer, se você é uma mulher heterossexual ou homem homossexual, você se interessa por todos os homens? Se sua resposta for negativa, o que geralmente é, logo observamos uma limitação (e tudo bem se a sua resposta for positiva). Claro, o gênero faz parte, mas existem outras variáveis, outras questões que vão fazer com que escolhamos ou rejeitemos os parceiros com os quais interagimos em nossa vida.
É com essa perspectiva, com este ponto de partida, que gostaria de começar a discorrer sobre os motivos pelos quais a orientação sexual, por si, não é uma explicação de comportamentos sexuais completa, e sim uma descrição, uma nomeação de parte de nossas experiências afetivas e sexuais.
E por que isso é importante? Bem, existem alguns equívocos que tendemos a cair ao olharmos para o comportamento, e buscar um conceito para explicar ele mesmo é redundante e tem pouco valor. Por exemplo, imaginem esta conversa:
— Oi, qual sua orientação sexual?
— Eu sou heterossexual.
— Como você sabe que você é heterossexual?
— Porque eu me atraio por pessoas de um gênero diferente do meu.
— Certo, e por que você se atrai por pessoas de um gênero diferente do seu?
— Ah, porque eu sou heterossexual.
Assim, essas duas pessoas poderiam continuar seguindo a conversa, talvez trocando as palavras para se entender, mas sem chegar nas variáveis importantes, e isso é o que costumamos chamar de circularidade explicativa. Ao olharmos para um comportamento, é necessário que compreendamos muitas questões que vão além de somente o que um indivíduo faz. É preciso analisar a sua história de vida, verificar em qual contexto determinado comportamento está sendo emitido e quais são as mudanças que ele causa no seu ambiente, bem como a influência de suas mudanças causada em si próprio. A cultura vai ter forte impacto nessas questões, principalmente porque é ela que vai nos ensinar, primeiramente, o que seria um comportamento sexual ou o que seria atraente, por exemplo.
Um dado claro disso são certos “estímulos sexuais” que são reforçados nas diferentes culturas: o que é atraente no Brasil (aqui, tende-se a valorizar a bunda), pode não significar nada para a tribo Karen ao norte da Tailândia, em que o estímulo atraente é o ornamento de anéis colocados no pescoço de mulheres, dando-lhes um aspecto alongado como o de girafas. Na China, um pé pequeno, em forma de lótus, era atraente, o que levou várias mulheres a se submeterem a procedimentos que deformavam seus pés de tal maneira que se assemelhassem à flor.
O contexto em que dada ação é realizada se mostra igualmente importante, o que podemos demonstrar desta maneira: é comum observarmos que, em estado de privação, como em casos de encarceramento, há um aumento dos comportamentos sexuais com o mesmo gêneros, já que o ambiente por si não é propício para relações heterossexuais, e outras variáveis podem ser mais importantes para um engajamento afetivo-sexual do que o gênero naquele momento (Menezes, 2005).
Quando nos comportamos, nós tendemos causar uma modificação em nosso ambiente e isso causa uma influência para que nós repitamos ou não determinada coisa. De maneira genérica (e menos técnica) de falar, isso significa que as coisas que acontecem depois de fazermos algo – como nos sentimos, como somos recebidos pelos outros, nossas sensações corporais, nossos valores – acabam fazendo com que nós aprendamos, mesmo que de modo inconsciente, o que fazer, onde fazer e com quem fazer. Exemplo: uma pessoa que utiliza um aplicativo de relacionamento e tem boas experiências provavelmente tornará a utilizá-lo; já uma pessoa que saiu com alguém que apenas nas fotos usadas no app não se parecia com o Mr. Bean (caso hipotético…) e não se divertiu nem um pouco, dificilmente tornará a usá-lo, ou utilize com menor frequência do que o primeiro caso. Guardadas as devidas proporções e complexidades, podemos generalizar para a vida.
Neste momento, eu quero propor mais um tipo de reflexão: pense em suas interações sexuais e afetivas, procure por experiências boas, agradáveis e experiências ruins ou desagradáveis, veja como elas te afetaram. Procure se lembrar de ensinamentos de grupos (como familiares, amigos próximos, colegas de trabalho ou estudo) sobre como fazer determinada coisa, a forma correta; isso influenciou na sua vida, nos caminhos que decidia tomar? E, se sim, como se sentiu depois? Claro que quando estamos falando sobre comportamentos sexuais o fenômeno é muito maior e mais complexo do que respostas emocionais a dado evento.
Ainda há um debate acirrado acerca do inatismo da sexualidade, isto é, se nascemos com determinada orientação sexual, através do material genético ou por exposição hormonal na gestação. Independentemente de uma ou outra raiz, é inegável que muitos de nossos padrões sexuais são aprendidos, desenvolvidos, refinados ao longo de nossa vida, o que quer dizer que, mesmo que nasçamos com determinada orientação sexual, nossas experiências e a forma com qual nós interagimos com o mundo a nossa volta vai nos ensinando os caminhos de exercê-la. Há algumas centenas de anos atrás, uma mulher com o tornozelo ou o pulso à mostra poderia levar homens à loucura. Hoje, eu não costumo ver apenas pulsos expostos em aplicativos de relacionamentos e vocês?
Aproveitando para observarmos outras práticas culturais em épocas diferentes, podemos citar a prática de pederastia na Grécia. Não só era comum, como também fazia parte do mecanismo de ascensão social na elite grega, que pupilos e filósofos se relacionassem sexualmente, mesmo que no futuro isso não significasse um padrão homoafetivo em suas relações (Menezes, 2005). Em Tebas, o exército conhecido como o “Batalhão Sagrado de Tebas” era constituído por cento e cinquenta casais de soldados, com o objetivo de melhorar seu desempenho na guerra, que levou a hegemonia de Tebas na Grécia no século IV A.C. Um fato curioso é que este foi o único exército que conseguiu vencer os famosos espartanos mesmo estando em menor número. Duas vezes (Pastore, 2011). Os comportamentos sexuais e afetivos nestes exemplos não estavam associados somente ao gênero, mas a variáveis ligadas à profissão e posição social.
Com as produções da Relational Frame Theory (RFT) dentro do campo da sexualidade humana, podemos compreender como estímulos sexuais se relacionam simbolicamente com estímulos antes não treinados, eliciando respostas de excitação sexual (Barnes e Roche,1997). Esse dado demonstra que as aprendizagens sexuais sofrem influência cultural, mesmo que discreta ou indiretamente, embora ainda sejam necessárias mais pesquisas para atestar com exatidão este efeito.
Tomando essa perspectiva, quer dizer que indivíduos não se relacionam com A ou B porque são de orientação sexual A ou B. Eles se comportam, interagem romântica ou afetivamente e, assim, vão se entendendo ou se classificando com dada orientação sexual fornecida por uma cultura. Isso permite uma postura mais aberta, pois não se parte de uma experiência já com um apriori, ou um caminho certo à frente, uma vez que começamos a reparar que podem existir outras coisas mais significativas em relações afetivo-sexuais do que somente o gênero e que mesmo as classificações são flexíveis.
A RFT também pode fornecer subsídios teóricos e experimentais para nos ajudar a compreender como essas construções e nomenclaturas vão sendo desenvolvidas. Quais elementos fazem parte do campo da heterossexualidade? O que seria mais hétero ou menos hétero? Hétero e gay são difentes. Quais elementos fazem parte do campo da homossexualidade? E assim sucessivamente. Todos esses estímulos podem estar em molduras relacionais de igualdade, comparação, oposição, e consequentemente, poderão ou não eliciar respondentes sexuais. De Rose (2016), aliás, dedica-se a mostrar como condicionamento respondente se relaciona com comportamento simbólico e sua importância para a manutenção de certas práticas culturais.
Na clínica, um cliente que poderia encontrar-se nessa situação, em que seus desejos ou mesmo seus engajamentos afetivo-sexuais não se encaixam com o senso-comum sobre sua orientação sexual e isso pode levar ao sofrimento. A sensibilidade às variáveis que compõem os padrões sexuais tanto poderia levar a uma melhor compreensão do que está acontecendo, como também a um acolhimento mais aberto e presente, afastado de regras ou normas.
Claro que a intenção deste artigo nunca foi a de esgotar todas as questões referentes à sexualidade, há muito o que se discutir e precisamos ter cuidado, sensibilidade e atenção aos direitos básicos de cada pessoa, já que nossos antecessores utilizaram erroneamente nosso conhecimento para produzir barbaridades na busca de patologizar e “curar” diversos padrões sexuais e de gênero, como aconteceu com a homossexualidade e a transgeneridade.
Este é apenas um dos primeiros passos. E como diria um ditado zen: não se atravessa uma montanha com dois passos.
Referências:
Barnes, D., & Roche, B. (1997). Relational frame theory and the experimental analysis of human sexuality. Applied and Preventive Psychology, 6(3), 117-135.
de Rose, J. C. (2016). A Importância dos Respondentes e das Relações Simbólicas para uma Análise Comportamental da Cultura1. Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, 24(2), 201-220.
Menezes, A. B. D. C. (2005). Análise da investigação dos determinantes do comportamento homossexual humano. Dissertação de Mestrado.
Pastore, F. (2011). O Batalhão Sagrado de Tebas: militarismo e homoafetividade na Grécia Antiga. Revista Trilhas da História, 1(1), 39-51.
Rönspies, J., Schmidt, A. F., Melnikova, A., Krumova, R., Zolfagari, A., & Banse, R. (2015). Indirect measurement of sexual orientation: Comparison of the implicit relational assessment procedure, viewing time, and choice reaction time tasks. Archives of Sexual Behavior, 44(5), 1483-1492.
Com que roupa eu vou? Fazer exercício físico ou relaxar no sofá? Engravidar ou não? Vemos diariamente pessoas por aí em situações em que escolhas podem ou são necessárias de serem feitas. Das situações mais simples até as mais complexas, como: me separar ou continuar no casamento? Mentir ou ser verdadeira em um relacionamento? Há de se considerar que desde quando levantamos da cama estamos fazendo escolhas. Em todos os exemplos citados acima, o que existe em comum é o fato de ter vários motivos que nos levam a escolher.
Podemos observar que as chances de tirar uma nota alta em uma prova podem ser maiores se o estudante entrar em contato com o material das aulas, ler sobre a matéria, escrever, tirar dúvidas e responder questões sobre o conteúdo também aumentam as chances de obter o diploma da graduação ao fim do curso. Porém existem outras possibilidades, como: não estudar, faltar as aulas, não fazer exercícios, deixar os trabalhos de lado e ir “levando tudo isso com a barriga”, e consequentemente as chances de garantir o certificado são reduzidas. As situações exemplificadas nos mostram que, de tudo o que fazemos em nossas vidas, há possibilidades de fazermos de outras maneiras, temos opções de escolha de acordo com nossos critérios, o contexto que vivemos, nossa história e nossa realidade, e então escolhemos (esses são alguns dos motivos que explicam o comportamento de escolha).
Todos nós nos comportamos para atingir objetivos ou porque o que fazemos agora já deu certo antes ou resolveu alguns problemas, mas como estudar isso cientificamente? Podemos começar pensando nas roupas que você usaria para visitar um amigo, e perceber que entre várias opções e estilos diferentes você vai procurar roupas que combine com você, como uma calça jeans, chinelo e camiseta (ou um estilo que se diferencie deste). Isso ocorre porque naquilo que fazemos temos nossas próprias formas de agir; além de existir vários estilos, você escolhe se vestir com roupas que usa constantemente em detrimento de todas as roupas disponíveis no mercado.
Compreender as causas e os efeitos das escolhas parece interessante para que possamos mudar escolhas feitas no presente que impactam o futuro. Pesquisas experimentais sobre comportamentos de escolha nos permitem compreender mais sobre o comportamento humano, além de possibilitar avanços para outras áreas, como as pesquisas aplicadas a comportamentos de impulsividade, autocontrole e comportamentos sob controle de consequências atrasadas.
Como o tema pode ser pesquisado empiricamente?
Para a maioria das pessoas o sonho de se casar, emagrecer, ter um carro, ou decidir fazer uma poupança e ter dinheiro suficiente para fazer uma viagem pode levar tempo, escolhas diárias e dedicação. São nas situações citadas acima que observamos comportamentos de escolha. Escolher por uma consequência atrasada e mais valiosa em detrimento de uma consequência imediata e menos valiosa envolve o conceito de auto-controle. O auto-controle pode ser definido como um comportamento de escolha por uma recompensa que é maios valiosa e ocorrerá futuramente em comparação com uma recompensa menos valiosa e imediata. Então considerar o tempo, e o tamanho da recompensa é bem importante para estudar esse tema de forma científica.
Quais as possibilidades para pesquisar cientificamente comportamentos de escolha?
Comportamentos são afetados por diversas situações que são vividas, inclusive pela história de vida, e é isso que permite estudar aspectos desse fenômeno. Muitos estudos avaliaram o comportamento de escolha por meio da programação de opções entre recompensas mais e menos valiosas como possibilidades de escolhas.
Figura 1: Diagrama com duas opções (opção A com mais recompensa e maior atraso, e opção B com menos recompensa e menor atraso), que pode ser utilizado em estudos que investigaram comportamentos de escolha.
Após as etapas iniciais, como as apresentadas na figura 1, em um experimento a opção A pode ter como recompensa 2,00 reais após 6 segundos, sempre depois que o participante da pesquisa fizer a sua escolha (que pode ser definida como apertar o botão vermelho), e a opção B, que pode ter como recompensa 0,50 centavos com 1 segundo de atraso depois que a escolha foi feita (apertar o botão azul). Esse é um clássico paradigma usado há anos em estudos que se propuseram a investigar os efeitos da escolha (tem referência empírica ao final do texto para quem quiser dar uma olhada).
Concluindo, estudos de comportamentos que envolvem escolha também podem ser utilizados e aplicados em diversos contextos, como por exemplo o ambiente escolar, podendo aumentar as chances de uma criança respeitar, obedecer e também seguir regras quando existe a possibilidade de receber recompensas posteriores que podem ser maiores do que as recompensas imediatas.
Lá vai a referência: HANNA, Elenice S.; RIBEIRO, Michela Rodrigues (organizadoras). Autocontrole: um caso especial de comportamento de escolha. Revista Análise do comportamento: pesquisa, teoria e aplicação, pg. 175-187, Artmed, 2005.
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Nas páginas a seguir você encontrará um guia bastante detalhado de conteúdos acerca de um tema central. O tema de hoje é “TOC” e vamos falar sobre ele a partir de variados pontos de vista.
Há uma trilha de conteúdo para você acompanhar nas próximas páginas composta de uma página com figuras clicáveis e de um texto explicativo. Em cada figura dessas há uma série de “paradas” e elas trarão conteúdos em múltiplos formatos: aulas gratuitas, programas de TV, textos complementares, vídeos lúdicos, pesquisas e materiais exclusivos para os membros da nossa comunidade.
Não é preciso, de forma alguma, ser assinante da Díade|Lab para acessar a maior parte dos conteúdos. As aulas fechadas estão aí para você mergulhar ainda mais tema, se tiver necessidade, ok?
Vamos juntos?
Esse Post foi escrito com base em uma das Díade|Trilhas. Clique no botão abaixo para fazer o download do PDF.
Começo essa trilha te propondo um desafio! Antes de seguir a leitura, ouça essa música até o fim, mesmo que não seja seu estilo preferido… Ouviu?
Pois bem… o desafio é o seguinte. Quero que você chegue ao final dessa trilha sem cantarolar o refrão: “Se ela dança, eu danço! Se ela dança, eu danço!”. Quando chegar na última linha, não pode sobrar nem um pedacinho! Tenho certeza de que essa não é a sua primeira vez! Você certamente já teve aquela experiência de acordar com o refrão de uma música na cabeça, que não desgruda de jeito nenhum. E você tenta trocar “mentalmente” de música, ouvir outra coisa, mas a danada volta a incomodar. Se isso já aconteceu, você já teve uma pequena amostra do que acontece com a cabeça de alguém que sofre com o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC).
A pessoa com TOC experimenta Obsessões-pensamentos, ideias ou imagens intrusivas e indesejáveis que, por mais que ele tente tirar da cabeça ele não tem sucesso. Na tentativa de eliminaras obsessões ou o desconforto por ela causado, ele acaba desenvolvendo comportamentos repetitivos –os chamados rituais ou Compulsões. É o que ocorre com a personagem de Jack Nicholson no filme Melhor impossível. O filme retrata com maestria o sofrimento de um escritor amargurado e dominado por rituais de limpeza, organização, contagem, entre outros. No texto “O TOC e as habilidades sociais no filme melhor é impossível” Gisa Baumgarth faz uma ótima análise da personagem e de seu incrível processo de mudança.
E falando em Gisa, alguns anos atrás ela quem aprontou comigo exatamente como eu fiz com vocês no início desse texto. Disposta a me deixar maluquinho – e quase conseguiu -, durante uma semana ela me mandava diariamente um trechinho dessa música “se ela dança eu danço” “se ela dança eu danço!”. Falando nisso, já conseguiram tirar ela da cabeça? Olha que não falta muito para terminar o texto!
Na última versão do DSM – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, quinta edição, o Transtorno Obsessivo-Compulsivo foi retirado da categoria dos Transtornos de ansiedade e foi disposto em um capítulo à parte, denominado Transtorno Obsessivo-Compulsivo e Transtornos Associados. Apesar disso, do ponto de vista de processos comportamentais, seu funcionamento é muito semelhante a os outros transtornos de ansiedade e, por isso, ele está aqui nessa Díade Trilha sobre ansiedade. No vídeo “TOC- Transtorno Obsessivo Compulsivo“, o Psiquiatra Marco Antonio Abud apresenta uma boa descrição do problema do ponto de vista da psiquiatria. Vale a pena conferir também o vídeo Transtorno obsessivo compulsivo, da página Minutos Psíquicos, que apresenta uma descrição bem simples que pode ser usada como material para trabalhar com nossos clientes. É importante ainda fazer uma diferenciação entre o TOC e o que é conhecido como Transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva ou Personalidade anancástica. No vídeo “Transtorno de Personalidade Anancástica ou Obsessiva Compulsiva”, a psiquiatra Maria Fernanda explica muito bem essa diferença. No vídeo “Transtorno de Personalidade Obsessiva: o tratamento completo“, Pedro Rodrigues apresenta uma proposta contextual para o manejo do TPOC. Assim como qualquer problema comportamental, os comportamentos envolvidos no TOC têm uma função que deve ser analisada para cada indivíduo e isso deve ser considerado para uma boa formulação de caso clínico. No artigo “Ampliando as possibilidades de intervenções sobre o Transtorno Obsessivo-Compulsivo“, Ana Paula Araújo relata um estudo que investigou essas funções e constatou que os rituais obsessivo-compulsivos, além de suspenderem o contato com as obsessões, produziram outras consequências relevantes. Sem querer ser insistente, mas, só pra você não se perder na tarefa… já parou de pensarem “Se ela dança, eu danço!”?
A Análise do comportamento e as Terapias cognitivo-comportamentais desenvolveram tecnologias bastante efetivas para lidar com o TOC. A mais conhecida – e mais testada – delas é a chamada Exposição com prevenção de respostas. Parte do princípio da habituação, segundo o qual, se o indivíduo permanecer na presença de um estímulo por um tempo razoável, seu organismo vai se habituar à presença do estímulo até que deixe de apresentar os respondentes a ele associados. A técnica, no entanto, é um dos muitos recursos da qual o analista do comportamento pode lançar mão e, como toda ferramenta, tem que ser utilizada com parcimônia. No artigo “A perspectiva analítico-comportamental no manejo do comportamento obsessivo-compulsivo”, Joana Singer Vermes e Denis Roberto Zamignani abordam essa discussão, apresentando algumas propostas para o manejo clínico. Veja também o texto “Transtorno Obsessivo-Compulsivo”, de Michelli Cameoka, que apresenta algumas possibilidades de manejo a partir da perspectiva da ACT – Terapia de Aceitação e Compromisso. A DiadeLab não poderia deixar de fora um tema tão importante. No curso de Estudos de Caso, o TOC e suas variações são tratados em três aulas distintas. Na aula 21, a Profa. Yara Kuperstein Ingberman relata “Um caso de TOC tratado por meio da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT)“. Na aula 24, Denis Zamignani apresenta de modo bastante detalhado a “Construção de uma formulação de caso clínico em um caso de TOC“, com algumas características de Hipocondria. Já na aula 55, o Prof. Fabian Orlando Olaz relata um “Caso clínico tratado por meio de uma abordagem comportamental contextual focada no Self“. Precisa de material com linguagem acessível ao público leigo para orientar seus clientes? Veja o texto “Lavar… Arrumar… Contar.. Quando as manias se tornam um problema”, de Denis Roberto Zamignani e Roberto Alves Banaco. Ouça também o episódio “Meus pensamentos não me deixam em paz”, do novíssimo Podcast SAC de Saúde Mental, em que Lizandra Campos e Bianca Dalmaso conversam sobre o manejo dos pensamentos intrusivos, em uma linguagem acessível para trabalhar com nossos clientes. Na página Minutos psíquicos há também uma série de vídeos muito interessante que ensina algumas dicas para lidar com pensamentos intrusivos; confira aqui: “Você pensa demais? Siga essas 5 dicas científicas” e “Ruminação mental e supressão do pensamento: quando fantasmas do passado continuam nos assombrando”.
E aí, conseguiu chegar ao final sem pensar na música? Eu acho que não… O pensamento incomoda – seja por seu caráter repetitivo, seja por seu conteúdo desagradável ou incômodo. Você tenta controlar o pensamento, mudando o foco, pensando em outra coisa ou fazendo rituais que o neutralizem. Mas quando você menos espera, o pensamento volta. E volta de novo. E de novo. O fato é que, para não pensar em algo, esse algo tem que estar presente “não pense no refrão”. E quanto mais ele tenta não pensar, mais ele está pensando. O único jeito é aceitar que o pensamento está aí, e se comprometer com o que faz sentido pra você. Enquanto o pensamento se esvai. Mas conta pra gente sua experiência! Ela vai te ajudar a entender um pouquinho o que ocorre com seu cliente.
Ok, imagine que você é alguém que canta, tem uma turnê marcada e, como as coisas nunca foram fáceis, cada show tem uma enorme importância. Você começa seus shows, é capaz de sentir o amor e a emoção de cantar, quando de repente, não mais que de repente, sua voz falha, o nervosismo aumenta, e fica impossível cantar. Você sabe todas as letras, sabe as notas, mas por alguma razão: nada acontece. Se essa metáfora fosse sobre um mímico, talvez não tivesse problema algum, mas para um cantor… Bem, acho que vocês já entenderam onde eu quero chegar.
Para escritores, o escrever é parte substanciosa de seu ofício, por essa razão, não é de se admirar que o bloqueio de escrita seja um fenômeno tão temível. Sintomático, esse medo pode ser observado em como a arte explora conflitos de escritores em torno de estados de bloqueio de escrita. Há filmes, séries, livros e até mesmo jogos com essa temática. Boa parte do conteúdo citado é drama, já no caso de Alan Wake, um jogo de 2010, o bloqueio da escrita é permeado por elementos do terror. E a academia? Bem, ela pareceu dar pouca atenção ao fenômeno no decorrer dos anos, principalmente em se tratando de escritores literários (Ahmed, 2019; Cruz, 2020).
Na literatura, encontramos a definição de que o Bloqueio de Escrita é um estado de dificuldade em começar ou manter uma escrita, de duração distinta e que pode ocorrer nos diversos estágios do escrever (Ahmed, 2019; Cruz, 2020). É comum ouvir explicações de que escritores não escrevem porque estão passando por um bloqueio de escrita. Essa explicação, no entanto, como as demais que envolvem o uso de conceitos, acaba caindo numa circularidade que dificilmente irá nos levar a algum lugar. É o famoso ciclo: você não está escrevendo porque tem bloqueio de escrita ou você tem um bloqueio de escrita porque não está escrevendo? Assim, para o professor Robson Cruz, um dos pesquisadores brasileiros que tem se dedicado ao estudo do processo psicológico da escrita, o fenômeno do bloqueio da escrita deve ser compreendido muito mais como um sintoma, um estado a ser investigado do que uma explicação a ser buscada (Cruz, 2020).
Vamos voltar rapidamente à metáfora do rio explorada no texto anterior. Se a escrita é como um rio que flui, certas variáveis servem como barreiras impedindo seu fluxo, desviando suas águas ou mesmo as represando por completo. O bloqueio da escrita, então, é este estado em que o terreno está dificultando o seu processo. A água está lá – como muitos escritores descrevem saber o que escrever -, é preciso apenas encontrar a forma de fazê-la atravessar, nem que seja através de novos caminhos. E sim, eu sei que na metáfora é mais fácil, por isso devemos ter atenção e cuidado.
Ahmed (2019) realizou uma revisão e uma pesquisa com 146 escritores de diversos gêneros ficcionais e não-ficcionais. Seu objetivo era realizar um levantamento de variáveis que favoreceriam o estado de bloqueio e verificar em quais momentos tendiam a aparecer e de que maneira isso ocorria em sua amostragem. As quatro categorias de variáveis que influenciariam na escrita foram:
Psicológicas/afetivas: como episódios estressantes ou estados de depressividade ou esgotamento.
Motivacionais: tais quais avaliação de ansiedade ou desmotivação com o processo de escrita.
Cognitivas: a exemplo de perfeccionismo ou rigidez de planejamento.
Comportamentais: como se ocupar demais, alterar a rotina ou procrastinar. De acordo com a sua revisão, estas foram consideradas as variáveis que mais afetariam o comportamento de escrita.
Ahmed (2019) observou em sua amostra que variáveis psicológicas e motivacionais apareceram mais como causas de períodos de bloqueio. Observou-se também que, escritores que mantinham um ritmo mais frequente de escrita apresentavam períodos curtos de bloqueio. E, por fim, a autora sugere que seus dados indicariam que certas variáveis estariam mais propensas a aparecer em estágios específicos do processo de produção.
Silva (2018), por sua vez, atenta para certas barreiras especiais que prejudicariam o escrever, certas regras que comumente aparecem nas falas de escritores, sendo elas: “Não tenho tempo para escrever”; “Eu preciso fazer algumas análises primeiro” ou “preciso ler mais trabalhos sobre o tema”; “Para escrever mais eu preciso de um novo computador”; “Eu estou esperando a inspiração”; “Eu preciso organizar coisas antes de escrever”.
Como dito, a autora parece se pautar em certas regras que poderiam enrijecer ou prejudicar o processo da escrita, estabelecendo-se assim como barreiras para seu fluxo elevado. Embora algumas dessas sejam semelhantes às categorias de Ahmed (2019), eu decidi apresentá-las, pois é importante explorar algumas concepções que nossos clientes possam apresentar sobre a escrita. Além do mais, também é importante pensar em quantas dessas barreiras nós mesmos acreditamos.
Naturalmente, quando se diz que “preciso ler mais trabalhos sobre o tema” é uma barreira para a escrita, não se deseja reforçar que pessoas escrevam sem fontes. Porém, é comum acreditarmos que não sabemos nada sobre o que queremos escrever, mesmo que tenhamos nos dedicado a isso. Além disso, tudo bem não saber sobre tudo, sendo a escrita um processo, você pode começar a escrever e depois corrigir as informações que podem ter sido colocadas equivocadamente. O mesmo vale para “não tenho tempo para escrever”. É comum ver que escritores realizam outros ofícios além da escrita, logo, o tempo será inevitavelmente dividido. Contudo, breves sessões de escrita podem ser arranjadas para manter uma escrita regular. Calculem comigo: 15 minutos por dia é quantitativamente maior do que 0 minuto por dia. Eu fiz as contas, pode conferir.
Cruz (2020) também aponta que certas variáveis culturais podem contribuir para o estado de bloqueio. A romantização de ideias sobre a escrita ou sobre ser um escritor podem contribuir para padrões ineficientes. O elitismo e o não reconhecimento da aprendizagem tácita reforçam esse cenário, atribuindo valores intelectualmente superiores à escrita, ignorando ou mesmo punindo práticas que visam o desenvolvimento processual da escrita.
Nesse contexto, Boice (1984) pontua como práticas culturais dentro da academia podem contribuir para esses estados. Em seu artigo Why Academician don’t write, ele observou que mulheres apresentavam uma menor produção escrita em relação aos homens e padrões mais perfeccionistas. A explicação? Práticas machistas, assim como outras práticas discriminatórias vivenciadas dentro da academia, poderiam estar dificultando os padrões de escrita,. Ademais, regras não claras sobre publicações e os demais trâmites também contribuiriam para este contexto.
Essas variáveis são, ao meu ver, ainda mais preocupantes, uma vez que Ahmed (2019) e Silva (2018) pontuam padrões individuais que podem ser adaptados a contextos favoráveis para a escrita, Boice (1984) e Cruz (2020) alertam para práticas culturais mais difíceis de serem modificadas. É como se a pessoa que canta e está sem voz, ainda tivesse que passar por todas essas dificuldades no meio de um bombardeio que não está exatamente sob seu controle. E isso não diz respeito a nossos clientes, mas a nós pesquisadores e membros da academia: o quanto estamos corroborando tais práticas?
Por mais que, enquanto profissionais de Psicologia, possamos auxiliar nossos clientes em momentos de bloqueio, esta prática é de certa forma paliativa, e acredito que isso é importante de se pontuar. Mesmo que ensinemos práticas para que a escrita ocorra de maneira saudável, fluida, é particularmente impossível dizer que escritores estejam cem por cento livres de estados de bloqueio. Há momentos em que coisas fogem do alcance, talvez um prazo apertado, um estresse por um trabalho importante, alguém da família que adoeceu… Como uma dor de cabeça, ele pode aparecer. Brigar contra um sintoma, contra estados emocionais aversivos tem demonstrado ser mais prejudicial do que de fato benéfico (Hayes, Strosahl & Wilson, 2021), seria equivocado supor que na escrita aconteça o mesmo?
Então por que insistimos em olhar para o bloqueio de escrita como o temível? Claro, ninguém deve gostar de passar por bloqueios de escrita, mas se mudarmos nossa relação com ele, se passarmos a olhá-lo como um mensageiro, um sinalizador de que algo não está bem naquele momento, talvez se torne mais fácil de trabalhar e quem sabe não traga tantos sentimentos aversivos. Principalmente porque, em alguns casos, esses sofrimentos podem ser fruto de uma cultura punitiva, coercitiva, ou empobrecida de reforçadores, e não necessariamente de comportamentos diretos do indivíduo.
Ou seja: se o rio não está fluindo por este caminho, pode não ser problema da água, mas do percurso. Encontrar, com seu cliente, formas de potencializar o seu fluxo, ou de criar novos caminhos para que essa água transborde, pode ser mais útil do que focar exatamente nas barreiras encontradas.
Em textos futuros eu gostaria de abordar padrões que favorecem a escrita. Porém, como é comum de se ouvir que a Inspiração vem antes da escrita, pensei que fosse melhor começarmos por ela. Para o próximo texto, eu gostaria que pensasse: quais são as coisas que te inspiram? Músicas? Cenários? Conceitos? É a prática do trabalho? Não é porque somos cientistas que devemos ignorar nossas Musas.
Até lá, espero que fiquem bem e em segurança.
Referências:
Ahmed, S. J. (2019). An Analysis of Writer’s Block: Causes, Characteristics, and Solutions.(Dissertação de Mestrado). University of North Florida, Jacksonville, FL. Disponível em: https://digitalcommons.unf.edu/etd/903
Boice, R., & Jones, F. (1984). Why academicians don’t write. The Journal of Higher Education, 55(5), 567-582. doi: 10.1080/00221546.1984.11780679
Cruz, R. N. (2020). O Bloqueio da Escrita Acadêmica: caminhos para escrever com conforto e sentido. Belo Horizonte: Artesã. Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (2021). Terapia de Aceitação e Compromisso-: O Processo e a Prática da Mudança Consciente. Artmed Editora.
Jacinto Junior – Psicólogo formado pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR – 2020). Escritor de Literatura e Co-Fundador do coletivo de Escritoras e Escritores Nordestinos: Oxe LGBT NE. Atua com processos clínicos e com atendimentos focados para a escrita.
Se alguém vai até um nutricionista e pede bons hábitos alimentares, é necessário que o profissional vá analisar cada caso antes de passar algum tipo de intervenção. Claro que com a escrita, é a mesma coisa. Não há uma receita geral e mágica para se começar um estabelecimento de bons hábitos na escrita, todavia, eu prometo que vai ser mais fácil do que estabelecer uma dieta.
Primeiro, é preciso lembrar que escrever com grande frequência não significa escrever de maneira saudável. Para falar a verdade, escrever até a exaustão é uma variável apontada como facilitadora de bloqueios (Cruz, 2020; Silva, 2018). Assim como em qualquer atividade, alguns cuidados são necessários para que elas não tragam prejuízos. Como foi apontado em textos anteriores, a escrita está associada com uma série de contextos que trazem reações emocionais desagradáveis; além disso, a exposição à tela também pode nos prejudicar, uma postura equivocada pode nos trazer dores…
Preocupar-se com estabelecimento de bons hábitos da escrita não só podem prevenir estados de bloqueios, como também trazer uma maior qualidade de vida de quem escreve, principalmente, durante boa parte da vida.
A escolha do horário:
Não existe uma regra para a escolha do horário, no entanto, Silva (2018) recomenda que se escolha um horário em que se sinta descansada/descansado. Lembre-se, escrever é uma atividade complexa, e como tal, por vezes estar exausto pode não ser o melhor momento para começar a escrita.
Manter horários regulares e fixos também pode ser uma ferramenta importante para o estabelecimento de bons hábitos na escrita, já que facilita o processo de início. Pense nas coisas que costumamos fazer, elas geralmente atendem a um horário, a escrita, mesmo que breve, pode começar a ser uma dessas coisas.
Além do mais, a escolha de um horário diminui a chance da escrita entrar em concorrência com outras atividades, já que existe um horário estabelecido para isso. Isso pode ajudar a diminuir os pensamentos de “Ah, meu Deus, eu deveria estar escrevendo agora!”. Nos atendimentos, eu costumo falar que, quando não se estabelece uma hora para a escrita, parece que toda hora é hora de escrever. Alguém se reconheceu?
No texto anterior (link), eu trouxe uma pesquisa que é útil nesse momento: escrever regularmente, como aponta Boice (1990), não só faz com que se escreva mais como também aumentar a probabilidade de ter ideias que considera como criativas.
Sessões breves:
De acordo com Silva (2018) a crença de que precisamos de muito tempo para escrever é, possivelmente, uma das barreiras que dificultam nosso processo mais fluido na escrita. Aliás, na pesquisa de Boice (1982), encontrou-se que, quando os participantes escreviam por mais tempo do que o estabelecido, a sua produção tinha baixas no dia seguinte; Cruz (2020), por sua vez, aponta que chegar a exaustão é uma das coisas que podem prejudicar em nossa escrita.
Eu sei que o ideal, para nossa cabeça, seria passar horas a fio escrevendo, em sessão, costumo ouvir sempre meus clientes com grandes expectativas iniciais, sobre como depois das primeiras sessões irão passar horas escrevendo… É muito comum confundirmos expectativas como essas com metas iniciais. Esse tipo de armadilha é prejudicial pois acabamos por criar um ambiente mais propício para frustrações do que para o surgimento de uma escrita fluida e saudável.
Se está passando por dificuldades para começar ou se manter escrevendo, por que não começar por períodos breves? Experimente começar com quinze minutos ou vinte minutos por dia e ir adaptando com base em suas necessidades.
Escrever livremente primeiro, editar depois.
Este é um tópico que já apareceu em outros textos: ao escrever, evite se autocorrigir. Escrever e corrigir são comportamentos distintos, com funções distintas. Quando se está escrevendo, estamos materializando nossas ideias, é o momento em que o rio precisa fluir da maneira mais livre que conseguir.
Não se preocupe se alguma coisa está errada, seja palavra, informação, ou se você não sabe de cor a referência. Apenas escreva. No fim, você poderá retornar ao que escrever e se preocupar somente com a edição.
Autorrecompensas:
Essa é uma prática que tende a ser criticada por quem tem uma visão mais arraigada e romântica sobre a escrita. No entanto, se recompensar ao fim de cada sessão de escrita é extremamente útil em teve seus efeitos benéficos mostrados por Boice (1982). Escolha, ou oriente o seu cliente, a fazer coisas que gosta e que trazem prazer após o término das sessões.
Como a escrita geralmente está associada a uma série de contextos aversos, a presença de reforçadores positivos pode ser uma ferramenta importante para quebrar um pouco dessa relação. Além do mais, em casos onde fontes de reforçadoras são escassas, essa é uma forma de manter um padrão sendo reforçado. Outra coisa que geralmente costumo falar para meus clientes é: se você acabou de realizar uma ação que tinha muita dificuldade, por que não valorizar o passo dado?
Cuidados adicionais com a saúde:
Atividades repetitivas podem ser extremamente prejudiciais se realizadas de qualquer forma, como dito no início do texto, para nós escritores, é necessário também alguns cuidados adicionais com a saúde.
Devido a pandemia, muitas de nossas atividades migraram para o virtual, o que quer dizer que a quantidade de tempo que somos expostos a tela aumentou consideravelmente. Procure manter uma distância segura da tela, escrever em lugares claros e fazer pequenas pausas.
É importante, também, que tenhamos um cuidado com nossa postura. Procure uma posição confortável para escrever e que não traga prejuízos a longo prazo, se o plano for escrever durante muito tempo, experimente fazer alguns exercícios ou alongamentos.
Tratando-se de comportamento humano, é impossível falar que existe de fato uma receita especialmente para você ou para o seu cliente. Cada caso deve ser avaliado, embora os pontos citados acima são excelentes começos, principalmente em caso de dificuldades em iniciar ou manter uma escrita.
Experimentem e me contem como foi!
Referências:
Boice, R. (1982). Increasing the writing productivity of ‘blocked’academicians. Behaviour Research and Therapy, 20(3), 197-207.doi: 10.1016/0005-7967(82)90138-3
Boice, R; (1990). Professors as writers: A self-help guide to productive writing. Stillwater: New Forums Press.
Cruz, R. N. (2020). O Bloqueio da Escrita Acadêmica: caminhos para escrever com conforto e sentido. Belo Horizonte: Artesã.
Silvia, P. J. (2018). How to write a lot: A practical guide to productive academic writing. Washington: American Psychological Association.
Jacinto Junior – Psicólogo formado pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR – 2020). Escritor de Literatura e Co-Fundador do coletivo de Escritoras e Escritores Nordestinos: Oxe LGBT NE. Atua com processos clínicos e com atendimentos focados para a escrita.
O ditado ‘’os opostos se atraem’’ é bem conhecido e, culturalmente falando, é algo até incentivado nos relacionamentos. No entanto, vale a pena olharmos com mais atenção para o que essa expressão significa.
O fato é que, em todo relacionamento, haverá semelhanças e diferenças, em diferentes graus e intensidades. Quando conhecemos alguém muito diferente de nós, a curto prazo o que pode nos manter nesta relação é a novidade, no entanto, a longo prazo serão as semelhanças que vão manter essa relação.
Para Heyes, Strosahl e Wilson (2021) os valores são algo essencial na vida de todo ser humano, pois eles dão o senso de significado e direção na vida. Se é assim, podemos pensar em como pessoas com valores muito diferentes terão dificuldades de manter relacionamentos a longo prazo.
Como mencionado anteriormente, as diferenças também são necessárias para que o relacionamento flua, afinal, nem todas as afinidades serão parecidas, mas é importante que os objetivos para o futuro sejam compatíveis e que o casal consiga se comunicar quando surgirem as diferenças, para que se sintam acolhidos na relação.
Pensemos no seguinte exemplo:
Tabela 1. Retrato do relacionamento de José e Maria:
Maria e José estão juntos há um tempo e pensam em se casar, porém, José quer ter filhos e Maria não. Para José, o casamento no religioso é importante, mas para Maria não. Maria não se incomodaria se tivesse que morar em casas separadas por um período, mas para José isso seria algo inegociável.
Como podemos observar, ambos possuem valores bem diferentes e isso influenciará na relação. Existem valores que são mais negociáveis e outros não, como por exemplo: Um filho será para o resto da vida, mas morar juntos é algo que talvez dê para ceder.
Algumas questões dos relacionamentos não aparecerão de imediato, afinal, no início de um relacionamento estamos na fase da lua de mel onde tudo são flores, as diferenças começam a aparecer depois de um tempo e aí começamos avaliar o quanto conseguimos lidar com essas diferenças.
Como psicoterapeutas, é necessário que auxiliemos nossos clientes a identificar seus limites nas relações e o que seria tolerável ou não a eles, quais seriam valores inegociáveis e o que eles almejam a longo prazo.
Hayes, S. C., Strosahl, K.D., Wilson, K.G. (2021). Terapia de aceitação e compromisso: o processo e a prática da mudança consciente. 2. Ed. Porto Alegre: Artmed.
Bruna Catarina Pavani – @psicobrupavani
Especialista em Análise do comportamento (ITCR) | Pós graduanda em Sexologia (INPASEX) CRP 06/135021
De acordo com Skinner (2009), amor nada mais é do que reforçamento positivo.
É natural olharmos para o amor como se ele fosse algo definitivo, porém, a forma como vamos amar é construída socialmente, de acordo com a cultura, época, crenças e valores. Um exemplo é: a forma como as pessoas se relacionavam no século XX é diferente de como se relacionam hoje no século XXI.
Uma das maiores procuras dentro de um consultório psicoterapêutico está relacionada a questões de relacionamentos amorosos. Ao longo dos anos pudemos notar diversas mudanças nas formas como as pessoas foram se relacionando e é sobre isso que iremos conversar aqui hoje.
Hoje, notamos um padrão nos relacionamentos atuais: menor durabilidade das uniões, menor tolerância aos conflitos, menos paciência e mais imediatismo. (Shema, Oliveira, 2013), porém, no consultório, ainda é possível notar o quanto as pessoas idealizam o amor romântico. De acordo com Lins (2017), amor romântico é quando você idealiza a pessoa amada e projeta nela tudo o que gostaria que ela fosse, mas quando você realmente começa a conviver com a pessoa no dia a dia, você vai percebendo que nada disso é real.
Mas de onde surge essa ideia do amor romântico?
Antigamente, o único amor aceito, era o amor direcionado a Deus, pois até então, os relacionamentos se davam através de contratos sociais, mas a partir do século XIX, o ideal amoroso passou a ser uma possibilidade para o casamento, sendo os filmes, uma das grandes influências nesta época. (LINS, 2017, p.24)
Podemos pensar que uma grande influência ao longo do tempo, foram os contos de fadas. Maia, Venturin, Longhitano, Leite e Gravalos (2020) apontam que, os valores primordiais em sociedade apresentados nos contos de fadas, eram impostos para as crianças como algo a ser seguido.
Mas a ideia do amor romântico somado à nossa atualidade são contas que não se fecham, pois atualmente estamos buscando viver mais a nossa individualidade, nos conhecer mais, desenvolver nossos potenciais e o amor romântico prega o oposto disso: que os dois se transformam em um só. Lins (2017) menciona que desde a infância somos condicionados a desejar esse tipo de amor – o amor romântico – mas, como já mencionado anteriormente, a forma como vamos amar é construída socialmente de acordo com a cultura, época, tempo, crenças, e o amor romântico foi funcional em determinadas épocas, mas não está sendo mais funcional no momento presente, porém, ainda nos comportamos seguindo a regra de que, devemos encontrar alguém e viver felizes para sempre com essa pessoa.
Não nos ensinam que, ‘’felizes para sempre’’ pode ter começo, meio e fim e pode durar uma vida toda, assim como, pode durar um dia. ‘’Felizes para sempre’’ pode ser com apenas uma pessoa ou com várias – ao mesmo tempo, ou não – ‘’felizes para sempre’’ pode ser em um relacionamento amoroso ou na construção de um sonho pessoal.
Penso que, como psicoterapeutas, precisamos ampliar o repertório de nossos clientes de acordo com a história de contingências que eles possuem, para que assim, eles possam encontrar os seus ‘’felizes para sempre’’ da forma como desejarem.
LINS, Regina Navarro. Novas formas de amar. São Paulo: Planeta do Brasil, 2017. 272 p.
MAIA, Ana Claudia Bortolozzi.; VENTURIN, Ana Beatriz.; LONGHITANO, Bianca.; RIBEIRO LEITE, Márcia Gabriela.; MACEDO GRAVALOS, Nathalia. PADRÕES DE BELEZA, FEMINILIDADE E CONJUGALIDADE EM PRINCESAS DA DISNEY: UMA ANÁLISE DE CONTINGÊNCIAS. Diversidade e Educação, [S. l.], v. 8, n. Especiam, p. 123–142, 2020. Disponível em: https://periodicos.furg.br/divedu/article/view/9812.
SKINNER, B. F.. Walden II: uma sociedade do futuro. 2. Ed. São Paulo: EPU, 2009.
SMEHA, Luciane Najar; OLIVEIRA, Micheli Viera de. Os relacionamentos amorosos na contemporaneidade sob a óptica dos adultos jovens. Psicol. teor. prat., São Paulo , v. 15, n. 2, p. 33-45, ago. 2013. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872013000200003&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 05 set. 2021.
Bruna Catarina Pavani – @psicobrupavani
Especialista em Análise do comportamento (ITCR) | Pós graduanda em Sexologia (INPASEX) CRP 06/135021
Atualmente muito se fala sobre golpe. E neste texto, entenderemos golpe como uma falha de comunicação entre uma ou ambas as partes sobre seus interesses amorosos.
Mas, antes de tudo, precisamos entender conceitualmente o que levaria uma pessoa a cair em um ‘’golpe’’.
Suponhamos que Maria está há um tempo sem se relacionar com ninguém e começa a sentir a necessidade de se relacionar novamente. Maria começa a se expor a situações em que tem a possibilidade de conhecer alguém (emite Sds para que seja reforçada positivamente) e em uma dessas exposições, Maria conhece José. Mas o que Maria não sabe (por não terem conversado), é que José está disponível apenas para conhecer novas pessoas, mas não para se envolver de uma forma mais profunda.
Tabela 1. Relacionamento de Maria e José:
Operação Motivacional
Antecedente
Resposta
Consequência
Maria
Privação de contatos amorosos
Querer se relacionar[1] Contextos em que há a oportunidade de interações sociais (reuniões presenciais, redes sociais, aplicativos, etc.)
Se expor a situações que propiciem conhecer novas pessoas
Conhece JoséComeça a se relacionar com José Aproximar-se de José tem a função de suprir a privação de contato social
José
Aproveitar a vida [2] Qualquer OM que evoque respostas de exploração e variação (a motivação de João o impele a experiências relacionadas a “aproveitar a vida“)
Querer conhecer novas pessoas[3] Contextos em que há a oportunidade de interações sociais (reuniões presenciais, redes sociais, aplicativos, etc.)
Se expor a situações que propiciem conhecer novas pessoas
Conhece Maria e outras pessoasAproximar-se de Maria tem a função de suprir sua motivação para a exploração de novas experiências[4]
Podemos pensar que, a operação motivadora (OM – aquela que, momentaneamente, altera a efetividade reforçadora de um estímulo) é diferente para cada pessoa e com isso, a função do relacionamento também será, levando a diferenças na forma com que irão lidar com ele.
Então, voltando ao caso de Maria e José, pensemos numa situação em que eles estão juntos e José é carinhoso com Maria, dá atenção a ela, demonstra interesse…. a forma como Maria interpretaria isso (e agiria), seria de acordo com a sua operação motivacional, vejamos a seguir:
Tabela 2. Relacionamento de Maria e José:
Operação Motivacional
Antecedente
Resposta
Consequência
José
OM que evoque respostas de exploração e variação
Na presença de pessoas de seu interesse
José será atencioso, carinhoso, afetuoso
Receber atençãoReceber afetoNova experiência
Maria
Privação de contatos amorosos
Na presença de comportamentos afetivos de José
Maria retribui os afetos
Satisfação da condição de privaçãoMaria cria expectativas de uma relação futura.
Vejamos que não há nada de errado no comportamento de nenhum deles, afinal, cada um tem se comportado de acordo com a sua operação motivacional, a questão, é que a curto prazo essa relação será benéfica a ambos, mas a médio/longo prazo, um deles, não terá a sua necessidade suprida.
Mas como vamos saber qual é a operação motivacional de cada pessoa com quem vamos nos relacionar?
Penso que, antes de saber a do outro, é importante que você tenha consciência de qual é a sua, do que você busca, quais são os seus objetivos e, aí sim, você poderá avaliar se o outro conseguirá suprir suas necessidades ou não.
Ser transparente sobre seus interesses é essencial dentro de qualquer relação, seja ela amorosa ou não, não existe nada de errado em querer estar num relacionamento amoroso, assim como, está tudo bem querer apenas conhecer novas pessoas, desde que isso fique claro para ambos. Se, ao conhecerem-se, ambos não explicitarem o que estão buscando, o relacionamento pode ser frustrante para ambos. Ambos serão vítimas do mesmo golpe: a comunicação imprecisa.
querer não é antecedente. A privação é a OE ( e o querer é o sentimento correlato a essa OM)
Aproveitar a vida não pode ser uma OM. Pode ser um efeito da contingência, mas não é uma alteração ambiental momentânea que evoca comportamento
querer nunca é um antecedente
O interessante aqui é que o contexto é o mesmo, as respostas são as mesmas, mas com função diversa
Atualmente muito se fala sobre golpe. E neste texto, entenderemos golpe como uma falha de comunicação entre uma ou ambas as partes sobre seus interesses amorosos.
Mas, antes de tudo, precisamos entender conceitualmente o que levaria uma pessoa a cair em um ‘’golpe’’.
Suponhamos que Maria está há um tempo sem se relacionar com ninguém e começa a sentir a necessidade de se relacionar novamente. Maria começa a se expor a situações em que tem a possibilidade de conhecer alguém (emite Sds para que seja reforçada positivamente) e em uma dessas exposições, Maria conhece José. Mas o que Maria não sabe (por não terem conversado), é que José está disponível apenas para conhecer novas pessoas, mas não para se envolver de uma forma mais profunda.
Tabela 1. Relacionamento de Maria e José:
Operação Motivacional
Antecedente
Resposta
Consequência
Maria
Privação de contatos amorosos
Querer se relacionar[1] Contextos em que há a oportunidade de interações sociais (reuniões presenciais, redes sociais, aplicativos, etc.)
Se expor a situações que propiciem conhecer novas pessoas
Conhece JoséComeça a se relacionar com José Aproximar-se de José tem a função de suprir a privação de contato social
José
Aproveitar a vida [2] Qualquer OM que evoque respostas de exploração e variação (a motivação de João o impele a experiências relacionadas a “aproveitar a vida“)
Querer conhecer novas pessoas[3] Contextos em que há a oportunidade de interações sociais (reuniões presenciais, redes sociais, aplicativos, etc.)
Se expor a situações que propiciem conhecer novas pessoas
Conhece Maria e outras pessoasAproximar-se de Maria tem a função de suprir sua motivação para a exploração de novas experiências[4]
Podemos pensar que, a operação motivadora (OM – aquela que, momentaneamente, altera a efetividade reforçadora de um estímulo) é diferente para cada pessoa e com isso, a função do relacionamento também será, levando a diferenças na forma com que irão lidar com ele.
Então, voltando ao caso de Maria e José, pensemos numa situação em que eles estão juntos e José é carinhoso com Maria, dá atenção a ela, demonstra interesse…. a forma como Maria interpretaria isso (e agiria), seria de acordo com a sua operação motivacional, vejamos a seguir:
Tabela 2. Relacionamento de Maria e José:
Operação Motivacional
Antecedente
Resposta
Consequência
José
OM que evoque respostas de exploração e variação
Na presença de pessoas de seu interesse
José será atencioso, carinhoso, afetuoso
Receber atençãoReceber afetoNova experiência
Maria
Privação de contatos amorosos
Na presença de comportamentos afetivos de José
Maria retribui os afetos
Satisfação da condição de privaçãoMaria cria expectativas de uma relação futura.
Vejamos que não há nada de errado no comportamento de nenhum deles, afinal, cada um tem se comportado de acordo com a sua operação motivacional, a questão, é que a curto prazo essa relação será benéfica a ambos, mas a médio/longo prazo, um deles, não terá a sua necessidade suprida.
Mas como vamos saber qual é a operação motivacional de cada pessoa com quem vamos nos relacionar?
Penso que, antes de saber a do outro, é importante que você tenha consciência de qual é a sua, do que você busca, quais são os seus objetivos e, aí sim, você poderá avaliar se o outro conseguirá suprir suas necessidades ou não.
Ser transparente sobre seus interesses é essencial dentro de qualquer relação, seja ela amorosa ou não, não existe nada de errado em querer estar num relacionamento amoroso, assim como, está tudo bem querer apenas conhecer novas pessoas, desde que isso fique claro para ambos. Se, ao conhecerem-se, ambos não explicitarem o que estão buscando, o relacionamento pode ser frustrante para ambos. Ambos serão vítimas do mesmo golpe: a comunicação imprecisa.
querer não é antecedente. A privação é a OE ( e o querer é o sentimento correlato a essa OM)
Aproveitar a vida não pode ser uma OM. Pode ser um efeito da contingência, mas não é uma alteração ambiental momentânea que evoca comportamento
querer nunca é um antecedente
O interessante aqui é que o contexto é o mesmo, as respostas são as mesmas, mas com função diversa
Bruna Catarina Pavani – @psicobrupavani
Especialista em Análise do comportamento (ITCR) | Pós graduanda em Sexologia (INPASEX) CRP 06/135021
Era uma noite escura, uma garota corria desesperada, lutando para manter o equilíbrio por entre uma estrada tortuosa. Atrás de si, uma besta horrenda rosnava em ao seu enlace. Por entre as árvores de caules negros, um cavalo se meteu em seu caminho, e a velha bruxa a tomou pelos pulsos, ajudando-a a fugir. No sacolejar da montaria, a velha explicava tudo para a garota sobre o que estava acontecendo e mais tarde, ao encontrarem seu tio e narrar toda a história, ele começa a escrever sobre os horrores trazidos por um artefato a uma afastada vila.
Durante todo o sonho, eu não fiz parte dele, quero dizer, toda a cena se desenrolava como se eu assistisse a um filme. Os personagens, já com nomes e funções dentro da narrativa eram mostrados, e o sonho terminava com o livro já sendo escrito. Eu me lembro da frase final, era algo como:
“E esta é uma história que narra muito bem o porque não se deve aceitar presentes de um estranho.”
Claro que utilizei este sonho para se tornar um romance que está em processo de criação. Essa não foi a primeira vez que fiz isso, nem mesmo a única. Nem mesmo eu sou o único a utilizar sonhos como fonte de inspiração. Harry Potter, romance que marcou uma geração inteira e tornou J. K. Rowling a primeira escritora de livro infantil milionária, teve sua ideia vinda de um sonho.
Quis começar destacando o sonho, porque, assim como a inspiração, este é um assunto que costuma estar envolvido certo misticismo e cujo interesse remonta a milênios atrás. Além de ser um resultado complexo de interações — bem, pela narração de meu sonho acima, acredito que seja sensato falar em muitas interações complexas envolvendo, principalmente, a história de vida individual e cultural. Essa associação, na verdade, é feita por Skinner (1957), mas já chegaremos lá.
Na Grécia antiga, a importância dada à inspiração foi tamanha que ela teve direito a um grupo de divindades: as Musas. Seres que inspiravam nos artistas as palavras certas em suas obras, abençoando-os em sua produção. Aliás, esta concepção era tão forte, que os gêneros possuíam uma marcação estrutural de invocar as Musas, ou outras divindades, para ajudá-los em sua empreitada artística, a qual se repete nas obras gregas Teogonia, Odisséia e Ilíada; romana, Eneida; portuguesa, Os Lusíadas e sobrevive até hoje, como em O amor de Apolo e Jacinto, em que o autor cearense mescla elementos da poesia épica com o cordel.
Eu poderia continuar a contar muitos outros rumores que circundam as diversas fontes de inspiração de escritores, porém quero, na verdade, falar sobre uma postura que parece perdurar desde os tempos de ouro da Grécia, se não antes: o de esperar a inspiração para começar a escrever.
Durante as eras, aprendemos a lidar com aquilo que entendemos por inspiração como sendo uma força motriz, por vezes única, de fazer o rio fluir. Uma pergunta rápida: quantas vezes você esperou pela inspiração para poder começar a escrever? E não me refiro unicamente a escritores literários, também já vi escritores acadêmicos reproduzindo o mesmo discurso quando questionados sobre o porquê de não escrever: “estou esperando a inspiração”, ou pelo menos: “estou esperando o momento perfeito”. Bem, sinto muito quebrar um pouco do romantismo, mas explicar a sua escrita através da inspiração, é a mesma coisa que falar que não escreve por um bloqueio. Voltamos àquele estado circular.
— Por que você está escrevendo mais?
— Porque eu estou inspirado!
— E como é que você sabe que está inspirado?
— Porque eu estou escrevendo mais!
Vamos lá, antes que desistam de mim por blasfemar contra a inspiração, afirmar que ela não produz a escrita, não é a mesma coisa que dizer que ela não existe. Inspiração existe, sim, mas assim como o bloqueio de escrita, nós estamos falando de um estado — ativado por alguma razão ou razões — em que se observa uma maior facilidade para escrever, uma baixa no autojulgamento, uma maior fluidez e foco, e não de uma coisa que nos faz escrever.
Trazendo para a metáfora do rio, este é o momento em que afluentes estão favorecendo o seu rio da escrita, ou mesmo que não existem barreiras para represar suas palavras sedentas para sair. O que existe apenas é o horizonte inimaginável da escrita.
Eu sei, é bom se sentir assim. De certo modo, até viciante, não? O problema acontece quando nos relacionamos com a “Inspiração” como se ela fosse a única responsável por nos levar à escrita, pois, como em toda regra, o que se observa é uma maior insensibilidade ao seu contexto atual, podendo levar a padrões adoecidos (Hayes, Strosahl & Wilson, 2021). Ou seja, para começar e continuar sua escrita, alguém precisaria estar nesse ponto tido como ideal ou certo, caso contrário, ela poderia não ser boa, iria ser automatizada, sem emoção etc. Esse tipo de postura não difere tanto dos antigos à espera das divindades, das Musas: o protagonismo da escrita passa a não mais pertencer ao escritor, mas a esse outro, essa instância metafísica que nos anima, a inspiração.
Isso soa um pouco perigoso, porque nos faz adotar uma espécie de postura passiva diante da escrita. Inspiração é importante, sim, mas ela é apenas uma parte do processo, um aspecto motivacional o qual você deve usar a seu favor, e não ficar refém dele.
Mas como a inspiração funciona? Seria possível fazermos algo para nos deixar mais abertos a esse estado?
Em minha experiência, seja como escritor ou psicólogo, ouvi diversos contextos que deram ideias sobre o que escrever a pessoas. Sonhos, matérias de jornais, conversas com amigos, uma paixão… Colocando-me um pouco aqui no texto, muitas de minhas ideias mesmo aparecem em sonhos, e desde que era mais jovem, é muito comum que o processo de criação de ideias ocorra enquanto eu ando! Aliás, uma das formas utilizadas por escritores para sair de um estado de bloqueio que mais foi citada na pesquisa de Ahmed (2019) foi andar.
Boice (1990), por sua vez, pode nos oferecer uma importante contribuição para esse estado que compreendemos como inspiração. O pesquisador, tendo como foco produções acadêmicas, reuniu um grupo de professores e arranjou uma série de contingências, atribuídas aos participantes aleatoriamente, dividindo-os em três grupos: o primeiro, em condição de abstinência, foi proibido de qualquer escrita não emergencial, imediata; para o segundo, em condição espontânea, agendaram-se 50 dias de escrita, mas os participantes só deveriam escrever quando se sentissem inspirados; e o terceiro, por sua vez, foi obrigado a escrever durante todos os 50 dias da pesquisa. Os resultados mostraram que o terceiro grupo não só escreveu consideravelmente mais em relação aos anteriores, como seus participantes também relataram ter ideias as quais consideravam mais criativas.
Anote esta dica: manter uma escrita constante, nem que seja por breves períodos, pode ser essencial para um estabelecimento de um hábito saudável. Mais à frente iremos conversar sobre isso. Por mais paradoxal que possa parecer, manter uma escrita constante pode ser uma variável importante para o surgimento de ideias criativas, como ocorre em estados de inspiração, e não o contrário como se pensa ou se costuma falar.
Skinner (1957), em um capítulo dedicado ao processo de autocorreção — processo que gostaria de retomar em textos futuros –, pontuou que estados de inspiração parecem estar associados com baixas nesse processo de edição. Assim como nos sonhos, não existem barreiras ou contingências punitivas de seu conteúdo, apenas um livre fluxo de informações, que guarda similaridade com a escrita automática (escrever livremente sem se autocorrigir, sem ponderar muito sobre as palavras a serem colocadas, deixando-as fluir). No caso, ele cita o exemplo do autor Stevenson, do célebre romance O Médico e o Monstro, cuja ideia para a obra também se originou em um sonho.
Como disse antes, o sonhar é apenas uma das diversas fontes de inspiração, isto é, desse estado motivacional que nos ajudaria a contribuir para a nossa escrita. Em minhas sessões, eu costumo pedir para que meus clientes estejam atentos a contextos que poderiam dar novas ideias, seja para a escrita literária, seja para a acadêmica. Por exemplo, um artigo que me deu muitas ideias foi o de Rose (2016), e sempre que o releio, parece que me vêm mais ideias para explorar em futuros trabalhos. Esta postura significa, principalmente, se deixar ouvir mais sem autojulgamento ou, principalmente quando for escrever, deixar que o rio flua sem barreiras.
Um benefício de pensar na inspiração como estado motivacional, é saber que ela na verdade é produto desses fatores, um efeito que adoramos e valoramos, em que coisas no mundo o inspiraram a ter aquela ideia, aquela fala, ou a estruturação de um conceito. Se a inspiração é produto de algo que fazemos, nossa postura não mais está passiva, mas sim ativa, protagonista, seja ao vermos uma notícia, encararmos uma memória ou lermos um artigo científico.
De todo modo, estar mais atento ao presente e ciente de seu processo de escrita, de um modo ativo e protagonista, é sobretudo um convite para procurar inspiração nos mais diversos recortes de sua vida! Observe seu mundo privado, seus pensamentos e sentimentos, ou mesmo olhe para o mundo externo, algum acontecimento peculiar, algum trabalho científico que leu, todos esses elementos podem ser a fagulha que estava procurando! Sempre anote suas ideias, sem receio ou julgamento — lembre que estamos falando de um processo aqui –, separe um espaço para se sentir livre para criar e retornar. Eu costumo fazer isso num arquivo de texto ou mesmo pelo celular, o importante é não perdê-las. Ideias são como sementes, antes de darem frutos, é necessário plantar, germinar e alimentar. Então, sim, mantenha suas sementes.
Inspirações não são eternas, ou seja, você, ou seu cliente, experimentará muitos estados de inspiração, mas todos eles terão seu início, meio e fim. Permanecendo com uma postura ativa, cultivando as práticas citadas acima, você poderá estar mais aberto e reconhecer a sua relação com a inspiração, tornando-se cada vez mais protagonista da própria escrita.
Referências Acadêmicas:
Ahmed, S. J. (2019). An Analysis of Writer’s Block: Causes, Characteristics, and Solutions.(Dissertação de Mestrado). University of North Florida, Jacksonville, FL. Disponível em: https://digitalcommons.unf.edu/etd/903.
Boice, R; (1990). Professors as writers: A self-help guide to productive writing. Stillwater: New Forums Press.
de Rose, J. C. (2016). A Importância dos Respondentes e das Relações Simbólicas para uma Análise Comportamental da Cultura1. Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, 24(2), 201-220. Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/2745/274545739006/html/
Hayes, S. C., Strosahl, K. D. & Wilson, K. G. (2021). Terapia de Aceitação e Compromisso-: O Processo e a Prática da Mudança Consciente. Artmed Editora.
Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York: Appleton-Century- Crofts.